BRASIL, 20 de dezembro de 2024 – O ex-ministro de Combate à Fome, José Graziano da Silva, confessou que o dado amplamente difundido de que 70% dos alimentos consumidos no Brasil são provenientes da agricultura familiar foi inventado. A declaração ocorreu durante um seminário sobre pobreza rural no semiárido nordestino, neste mês, gerando grande repercussão.
Graziano afirmou que o percentual de 70% não tem base em dados concretos, revelando que a informação foi criada no início dos anos 2000 por falta de um censo agropecuário atualizado.
“Não acho que nós comemos o que é produzido por agricultores familiares. Esse número não existe em lugar algum”, admitiu o ex-ministro, considerado o “pai do programa Fome Zero”.
O ex-diretor-geral da FAO justificou que, à época, o último censo agropecuário disponível era de 1970. “Sem informações confiáveis, optamos por usar 70% para evitar disputas. Mas é hora de virar essa página”, declarou.
REAÇÃO DE ESPECIALISTAS
A admissão reitera críticas feitas há anos por especialistas como o professor Rodolfo Hoffmann, da ESALQ-USP, e o engenheiro-agrônomo Xico Graziano, primo do ex-ministro. Hoffmann já havia questionado a validade do dado, enquanto Xico Graziano, em livro publicado há quatro anos, denunciava a narrativa como uma fake news que se confundiu com a realidade.
“A honestidade do Graziano é rara. Ele desmascarou o maior mito sobre a agricultura brasileira”, afirmou Xico. Segundo ele, a tese inflada prejudica o debate sobre o papel real da agricultura familiar.
IMPACTOS NO DEBATE AGRÁRIO
Para estudiosos, a falsa narrativa reforça uma rivalidade política entre a agricultura empresarial e a familiar. Graziano também destacou os méritos da exportação de soja, frequentemente criticada. “Se não fosse a soja, não teríamos os dólares necessários para importar alimentos como o trigo”, argumentou.
O pesquisador Calixto Rosa Neto, da Embrapa, alertou que o mito dos 70% mascara a realidade da agricultura familiar, que enfrenta desafios como acesso a crédito e mercados. “A agricultura familiar é crucial, mas não precisa de dados inflados para ser valorizada”, concluiu Felippe Serigati, da FGV.