Bom Ano Novo

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“Primum vivere, deinde philosophari” — “Viver, depois filosofar”, disse Hobbes no século 18 reformulando os versos antigos de Horácio: “Dum loquimur, fugerit invida aetas: carpe diem quam mininum credula postero.” “Enquanto falamos o tempo foge invejoso: aproveita o dia, confiando no amanhã o menos que puder.” A longa lição de meus anos me ensinou que, se o mais importante é estar vivo — meu avô dizia que ruim é não fazer aniversário —, não é mal filosofar e confiar no amanhã como curativo dos males de hoje. É verdade que vivi muitos anos bons em que não podia pedir mais da bondade divina, mas também tive — tivemos — a cota de anos velhos que gostaria que tivessem sido diferentes, menos amargos e tristes. O Ano Velho que acabamos de passar foi daqueles que serão lembrados como anos que devem ser esquecidos, tanta tristeza trouxe à Humanidade e ao Brasil. Só aqui foram mais de 450 mil mortos pela Covid-19, uma desolação. Temos que filosofar, isto é, saber que muitos poderiam ter sido salvos se tivéssemos mantido a tradição brasileira de vacinação expedita, como as tantas campanhas bem-sucedidas que fizemos no passado, quebrando recordes. Ao contrário de outros países nossa população se habituou com as campanhas de vacinação, inclusive com a infantil, aliás há muitos anos obrigatória. Ser obrigatória não é contra os direitos constitucionais, mas resultado deles, pois a vacinação não é um processo individual, mas um instrumento coletivo em defesa do mais básico dos direitos, o direito à vida. Se tenho um desejo para o Ano Novo é que seja um ano de transformação política. Teremos eleição, boa oportunidade de escolher quem nos representa melhor, mas não é disto que falo; já de garganta seca, insisto que é preciso corrigir alguns pontos da Constituição para fazê-la “instrumento de um país moderno, em que o Legislativo legisle, o governo governe e o Judiciário controle”, como escrevi numa virada de ano, há um quarto de século. Lembrava eu então as mazelas orçamentárias, a dispersão legislativa, as agruras do Judiciário, cada Poder a sofrer percalços e interferências dos outros. A democracia vive de instituições fortes, e fortalecê-las é tornar os poderes harmônicos e independentes. Precisaríamos que fosse verdade o velho ditado “ano novo, vida nova”, mas sabemos que, ao contrário, ano novo, vida velha, pois ela não se modifica com a simples passagem da meia-noite. Costumo citar o Padre Vieira — é boa certeza de não errar — e o faço mais uma vez. Dizia ele que “o tempo tem duas medidas, uma na realidade, outra na apreensão”. É por isso que é fácil dizer “bom ano”, mas é difícil ter a certeza de que vamos ter um ano bom ou um ano melhor. É sempre um mistério a virada do tempo e o que o futuro esconde. Se temos motivo ou motivos para apreensão, com mais razão, no entanto, devemos desejar para todos, para cada um de nós e para todos os outros, que o futuro se mostre com uma melhor face, com boas cores, boa sorte, bom tempo e uma felicidade real, uma dessas que se tem quando nasce uma criança ou se experimenta um bom ano. Bons anos! — é o meu desejo, pois não quero limitar a graça que Deus pode nos dar.

A quase morte mais para morte do que para quase*

“O gosto da morte na minha boca deu-me perspectiva e coragem”. Nietzsche No dia 14 de julho fui submetido às pressas a uma cirurgia cardíaca. Tive uma espécie de ruptura da principal via cardíaca. Risco de morte absurdo e aumentando a cada hora sem a intervenção cirúrgica. Sentia medo de morrer, tinha orgulho da vida breve que vivi e lamentava muito pelo meu filho que iria crescer sem mim. Chorei, sorri, refleti. No último dia 14 de setembro voltei ao trabalho. Nesse fim de semana, mais especificamente no dia 19 de setembro, é datado o Dia Mundial de Conscientização da Dissecção de Aorta (o problema que tive). Acredito que passados dois meses de muita dor e angústia e em meio ao simbolismo do calendário, este é o momento mais pertinente para escrever sobre o assunto. Pois bem, desde o nascimento do meu filho eu costumava me gabar de uma sensação que, literalmente, fazia sentir o sangue dentro do meu coração quando ao lado dele em algumas ocasiões. “Eu sinto o sangue no meu coração quando estou com o meu filho”, escrevia nos stories completamente ignorante da situação. Não se tratava apenas de amor de pai para filho, mas de uma mistura de um problema genético chamado Síndrome de Marfam e proteção divina. E, por favor, não me peçam para conter ou limitar as palavras. O fato é que eu quase morri. E não foi aquela quase morte mais para quase do que para morte. Definitivamente foi mais para morte do que para quase. Bem, entre meus momentos de reflexão tive mais certezas do que dúvidas. Arrogância? Não, não creio. A valorização de valores como amor, integridade, honestidade e gratidão deveriam ser certezas absolutas no mundo em que vivemos. Sabemos que não são. Da mesma forma de que tenho, faz tempo, a certeza de que não sou um santo e que, caso me fosse dada uma outra chance (sim, já tive outras), deveria pegar essas certezas e fazê-las mais presentes no meu comportamento. Então, agora é hora de exercitar minha gratidão. A Deus eu agradeço todos os dias. Aqui eu gostaria mesmo de agradecer aos homens, mulheres e as coisas que me ajudaram a superar a morte. Primeiramente ao Hospital UDI, rebatizado para Rede D’or São Luís, e ao Plano de Saúde Bradesco. A velocidade do plano em autorizar o procedimento foi fundamental, bem como o empenho da diretoria da Rede D’or. Eles possibilitaram as ferramentas que outros usaram para salvar minha vida. Na pessoa do diretor Augusto César Passanezi, obrigado. Agradeço aos médicos que me atenderam nas pessoas dos cirurgiões Vinicius Nina e Marco Aurélio. Aos enfermeiros, técnicas, zeladoras, fisioterapeutas, camareiras, copeiras e todos os que trabalham naquela UTI eu gostaria de agradecer nas pessoas dos enfermeiros Fábio e Marcos Fortes. Depois de Deus, eu devo a vocês a minha vida. Muito obrigado, pessoal. Também sou muitíssimo grato aos que mandaram mensagens de apoio, visitaram, ligavam todos os dias, faziam videochamadas e colocaram-se à disposição e agiram de forma direta ou indireta pela minha recuperação. Todos os que sem saber, e os que sabendo, acabaram garantindo um pouco mais de vontade de viver ao meu corpo combalido e meu espírito arredio. Fernando, valeu muito mesmo! Não morri, estou vivo. Estou vivo, filho. Te amo muito. Mais que tudo. Estou aqui por você.  *Publicado originalmente na edição impressa de O Estado do Maranhão do dia 19 de setembro de 2020

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