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O longo caminho do ‘Fora Sarney’ ao ‘Parabéns, presidente’

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O longo caminho do ‘Fora Sarney’ ao ‘Parabéns, presidente’. Confidências de um ex-crítico e hoje admirador convicto.

Sarney completa 95 anos neste 24 de abril. Pois bem, quem tem mais de 30 anos e nunca agitou um cartaz berrando “Fora Sarney” que atire a primeira pedra da ignorância estudantil. Eu mesmo, ativista de passeata universitária e camiseta surrada do Che, passei alguns anos cuspindo slogans contra o “culpado por nossa miséria”. Era simples: se faltava merenda na escola ou asfalto no bairro, a culpa era dele; se havia engarrafamento ou atraso no ônibus, a culpa era dele; se a cerveja esquentava, coloca a culpa no Bigode – foram anos de adestramento em sala de aula pelo MEC servido como feijão ralo. Eu, jovem maiobeiro ressentido em busca de vilão, engoli tudo sem mastigar. Hoje, adulto, vivido e instruído, percebo a realidade dos fatos: Sarney é o maior de nós, por isso recaiu nos ombros dele toda a responsabilidade que deveria ser de todos.

O sol, meus caros e caríssimas, é um detergente cruel: ao clarear, revela a ferrugem das narrativas mais longevas. Lá pelas bandas de 2006, conforme os anos correram, pulei da teoria revolucionária para o boleto de fim do mês e descobri que o bode expiatório de nossos problemas na verdade era a cabra de pedigree. Muito dessa percepção foi começando a viver política e observar a política. Constatei que quem apontava dedos contra José Sarney não aguentaria entregar 5% do que exigia dele. Demorou, mas comecei a observar que de um  de um lado, o escritor consagrado em livrarias e academias, o político que pilotou a redemocratização sem disparar um tiro, o pai que conduziu a filha para o feito histórico de ser a primeira mulher eleita governadora do Brasil. Do outro, uma fauna de fracassados que coleciona diplomas de ressentimento e não enche uma página no almanaque de feitos.

“Ah, Linhares. Para com isso. O Maranhão é assim por causa dele”, diz aquele que ocupa meu antigo lugar de manipulado. Vamos lá! Sarney assumiu o Maranhão em 1966, quando o estado já era o lanterninha da federação – não o paraíso que os arautos da nostalgia juram perdido. Sarney é culpado por uma tragédia que já acontecera antes dele. Assunto encerrado!

O que queriam? Esperavam que, num passe de mágica, ele instalasse um Éden com ar-condicionado? Vieram depois dele treze governadores. Nada de Éden, só mais poeira e pindaíba. Ainda assim, só o velho José continua pagando a conta moral desse fiasco coletivo. É a loteria da culpa: ganha sempre quem tem mais brilho para ofuscar os medíocres. Agora uma verdade amarga e direta para dar uma chacoalhada. O Maranhão não é culpa de Sarney. É culpa dos maranhenses.

Até onde não é citado Sarney foi colossal. A tal pauta feminista, por exemplo. Antes de hashtags fáceis e lacrações gourmet, Sarney já plantava tijolos de verdade no empoderamento feminino: auxiliou a filha Roseana a chegar no topo quando muito macho e fêmea progressista ainda engatinhavam no discurso. Resultado? Roseana governadora viu a turma “desconstruída” responder à sua ascensão com ataques tão baixos que deveriam ser proibidos para menos de 35 anos. Ironia fina: o patriarca conservador virou o pioneiro da igualdade entre homens e mulheres na política e seus detratores só foram entender a coisa décadas depois, via tutorial no Instagram. O mundo é uma graça!

E não pense o leitor que troquei o crachá de crítico alienado pelo de bajulador em transe; minhas rugas de desacordo com Sarney não cabem no status de fã incondicional. Detestei sua inflação galopante empacotada em “Nova República”, torci o nariz para o bordão “Tudo pelo social” que cheirava a socialismo de gabinete, e ainda hoje engasgo quando ele abraça certos movimentos progressistas como se fossem a salvação — sem falar na convicção, que não partilho, de que o 8 de janeiro foi tentativa de golpe orquestrado. Sim, coleciono divergências suficientes para evitar qualquer fanatismo. Mas nenhuma delas é larga o bastante para eclipsar a basílica de feitos que ele ergueu: aqui e ali existem fissuras, algumas colunas rangem, porém a catedral continua imponente demais para ser demolida por minhas ressalvas pessoais.

Hoje, aos 95, Sarney coleciona flores de ex-adversários e uma romaria crescente em direção ao Murano. Eles descobriram tardiamente o preço da grandeza: escrever romances traduzidos mundo afora, promulgar a Constituição de 1988 e ainda encontrar tempo para ser unanimidade em rodas que antes o queriam no paredão. Querem imitá-lo? Boa sorte: legado não se plagia. É manuscrito único, tinta que dinheiro nenhum compra.

O fato é que, no fundo do bar, entre um gole de indignação morna e outro de inveja quente, os mais ruidosos críticos de José Sarney fariam pacto com o diabo para vestir o paletó de linho branco do “oligarca” que eles juram detestar. Sim, esses que carimbaram Sarney de todas as infâmias — coronel, atraso, bigode — traem-se num desejo mal disfarçado de possuir o currículo que fingem desprezar. Querem o brilho do acadêmico, o poder do estadista, a posteridade talhada em mármore — mas sobram-lhes apenas lamúrias azedas e teses que mofam em prateleiras esquecidas. Porque grandeza, meus caros e caríssimas, não é tatuagem de boutique; é cicatriz rara, esculpida em décadas de história que os ressentidos jamais terão coragem de viver.

Aprendi, enfim, que a inveja é algo comum, mas não muito resistente quando o invejado é forte. Ela tende a derreter diante de uma biografia que atravessa gerações como lâmina afiada. José Sarney continua de pé, provavelmente sem dar a mínima para o circo de forjado por seus detratores. Aos arrependidos, só resta admitir: o bode expiatório virou lenda – e a horda ficou pequena demais para enxergar a própria pequenez.

De um ex-crítico manipulado que transformou-se em admirador sóbrio, feliz aniversário, presidente.

Longa vida a José Sarney, a Lenda!

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