BRASIL, 24 de novembro de 2023 – Às vésperas de ser condenado a 47 anos de prisão, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, com extensa ficha criminal e apontado como o número 3 do PCC, conseguiu deixar uma penitenciária de segurança máxima no interior de São Paulo para assumir, como temia o governo paulista, o comando da facção nas ruas.
Para deixar a prisão, em fevereiro de 2017, Simone não precisou de cordas, túneis ou gastar milhões com um plano de resgate. Saiu pela porta da frente após convencer a Justiça desse merecimento, o mesmo caminho seguido por mais de 30 importantes membros do grupo criminoso em sete anos, conforme levantamento da Folha.
Essa lista, que tem como base relatórios de inteligência policial, inclui integrantes do PCC soltos após cumprimento de suas penas, seguindo a lei. A maioria das decisões, porém, envolve ritos processuais com medidas polêmicas e que provocaram críticas em setores da polícia.
Um dos casos mais rumorosos ocorreu em outubro de 2020, quando o então ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), mandou soltar o narcotraficante André de Oliveira Macedo, 43, o André do Rap, do PCC.
Ele foi preso no final de 2019, depois de ficar anos foragido, e colocado em liberdade porque o ministro entendeu que o tempo de prisão preventiva excedia o limite previsto em lei. A decisão foi revertida dias depois, pela presidência do STF, mas ocorreu após o narcotraficante desparecer do monitoramento policial.
Segundo a legislação, a prisão preventiva deve ser renovada pela magistratura a cada 90 dias por ser considerado um artifício jurídico excepcional, já que é aplicada antes da condenação formal do preso.
Em junho deste ano, ministro do Sebastião Reis Júnior, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), mandou soltar Leonardo Vinci Alves de Lima, 47, o Batatinha, flagrado por policiais com 2 kg de cocaína em agosto de 2019, na sul da capital paulista. A defesa foi questionada, mas respondeu que não irá se pronunciar.
O magistrado considerou a abordagem da PM ilegal por ter sido motivada apenas pelo nervosismo demonstrado pelo réu ao avistar uma viatura da Rota.
Após a decisão, o ministro da Justiça Flávio Dino publicou nas redes sociais um “apelo à reflexão” para a “nulidade de processos de integrantes de organizações criminosas por suposta ilicitude da prova derivada de buscas pessoais razoáveis e motivadas”. “A análise da legalidade de condenações judiciais deve ser ponderada sob o crivo do conjunto de valores constitucionais”, escreveu.
Das 32 solturas de chefes do PCC determinadas pela Justiça nesses sete anos, ainda conforme levantamento feito pela Folha, a maioria delas (81,2%) ocorreu entre 2019 e 2022, no governo Jair Bolsonaro (PL), que, no início do mandato, anunciou esforços para tentar combater o crime organizado.
Procurada, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não indicou ninguém para falar sobre as medidas adotadas para tentar combater o crime organizado.
Em nota, o governo Lula (PT) citou ações implementadas neste, como o Enfoc (Plano de Enfrentamento às Organizações Criminosas), com investimento de R$ 900 milhões, e Amas (Programa Amazônia, Segurança e Soberania), com investimento de R$ 2 bilhões.
“O combate ao crime organizado é uma prioridade do MJSP, a partir da descapitalização dessas organizações, com o bloqueio das rotas de tráfico que abastecem as práticas ilícitas. Entre as ações, está o reforço da segurança em portos, aeroportos e nas fronteiras secas, bem como a ampliação do uso de inteligência para rastreio de atividades criminosas.”