BRASÍLIA, 15 de março de 2024 – No início da sessão de julgamentos de 14 de março de 2019, o então presidente do STF, Dias Toffoli, anunciou no plenário uma medida inusitada: a abertura, de ofício, de uma investigação sigilosa, delegada por ele mesmo ao ministro Alexandre de Moraes, para apurar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, etc.
Estava instaurado, oficialmente, o “inquérito das fake news”, que desde então já alvejou agentes públicos, formadores de opinião, jornalistas, parlamentares, empresários e cidadãos comuns que ousaram criticar, questionar e insultar os ministros da Corte.
Expressões populares de repúdio ao STF, nas ruas e nas redes, passaram a ser categorizadas como “ataques” à instituição, que supostamente ameaçariam a integridade física e a independência dos magistrados para julgar processos.
Como a indignação contra o STF se estende no tempo e se multiplica na sociedade e no meio político, o inquérito não tem data para acabar.
Nesses cinco anos, a condução do inquérito por Moraes fez crescer o poder do STF, e atos heterodoxos, que sempre foram repudiados na jurisprudência da própria Corte por violar o devido processo legal ou afrontar o direito de defesa, tornaram-se comuns.
Casos distintos e sem uma ligação clara passaram a ser investigados pelo ministro, quase sempre de forma sigilosa e por delegados da Polícia Federal que se reportam diretamente a ele, escanteando muitas vezes a Procuradoria-Geral da República (PGR), destinatária final das investigações, enquanto órgão apto a analisar fatos, provas e suspeitas para formular denúncias criminais perante a Corte.
O inquérito das fake news se ramificou em várias investigações, autuadas no STF sob a forma de novos inquéritos – como o dos “atos antidemocráticos”, o das “milícias digitais” e mais recentemente os relacionados ao 8 de janeiro de 2023 – ou de diversas e incontáveis “petições”, pedidos de investigação autônomos que chegam ao gabinete de Moraes, em geral, por parte de parlamentares ou da PF, para apurar casos mais específicos e que acabam sendo conduzidos pelo ministro sob a justificativa de também representarem “ameaças” ao tribunal.
Já foram investigados por Moraes procuradores da Lava Jato que apontaram o desmonte da operação no STF; auditores fiscais que levantaram o patrimônio de ministros e parentes; jornalistas, comentaristas políticos e veículos de comunicação que publicaram reportagens embaraçosas ou críticas aos ministros; parlamentares e assessores que contestaram, debocharam ou se revoltaram contra suas decisões; um partido de esquerda radical que também apontou excessos na investigação; e até empresários aborrecidos com a atuação da Corte, que desabafavam num grupo privado de WhatsApp, acusados de incitar um “golpe”.
Desde 2021, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) passou a ser investigado e deu diversas declarações sobre a perseguição à direita, a principal justificativa para a continuidade do inquérito tem sido a “defesa da democracia”, especialmente após os atos contra a eleição do presidente Lula (PT), que resultaram na invasão e depredação do Congresso, do Palácio do Planalto e do STF em 8 de janeiro de 2023.