BRASÍLIA, 05 de fevereiro de 2024 – A intenção do senador Flávio Dino (PSB-MA) de apresentar um projeto de lei que propõe alterar o funcionamento das audiências de custódia foi recebida com choque pela direção do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), formado por advogados e defensores de direitos humanos.
Para a entidade, que trabalhou junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) pela implementação do mecanismo no país, a ideia esboçada pelo futuro ministro do STF tem contornos inconstitucionais e pode ameaçar o princípio da presunção de inocência. Dino refuta as especulações.
A audiência de custódia é o momento em que se decide se uma prisão em flagrante ocorreu dentro da lei e de que forma a pessoa responderá ao processo. Nesta etapa, não há deliberação sobre inocência ou culpa. Na opinião de Dino, o instrumento estaria sendo mal utilizado em alguns casos.
“Vou apresentar o projeto dizendo que se uma pessoa é presa uma vez, duas, três, quatro praticando roubo, praticando crime com violência ou grave ameaça, ele não pode mais ser solto na audiência de custódia, porque é caso de prisão preventiva por periculosidade objetivamente demonstrada”, afirmou o ex-senador, em entrevista à Globonews na semana passada.
Presidente do IDDD, o advogado Guilherme Ziliani Carnelós diz ver na proposta a possibilidade de um “automatismo de prisão”. “A Constituição é muito clara. Temos que militar em favor da presunção de inocência. Ela não pode ser relativizada porque alguém foi preso outras vezes por crimes semelhantes.”
Carnelós afirma ser comum que policiais que cometem abusos elejam pessoas com antecedentes criminais na hora de realizar prisões em flagrante ilegais, em uma sistemática que costuma atingir, majoritariamente, pessoas pretas e pobres.
“A prisão não pode deixar de ser analisada do ponto de vista pessoal do acusado. Não pode existir prisão automática, como ocorria na ditadura militar. O Judiciário tem que ter a possibilidade de aferir se a liberdade daquela pessoa específica coloca ou não a sociedade em risco”, diz o presidente do IDDD.
“Uma forma automática de prisão vai contra a decisão do Supremo reafirmando o estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário, que deu recomendações ao Judiciário para que só decretem prisões quando elas foram efetivamente necessárias”, completa Carnelós.
Procurado pela coluna, Flávio Dino diz que o instituto deveria ao menos aguardar a publicação do texto do projeto de lei antes de iniciar suas críticas.
“O IDDD deveria esperar o projeto antes de fazer uma ‘crítica’ apressada e, por isso mesmo, disparatada”, afirma o futuro ministro do Supremo, por mensagem.
“É demasiado óbvio que não cogito de ‘automatismo de prisão’. E, sim, de requisitos legais a serem apreciados pelo juiz, nos termos da jurisprudência mansa e pacífica. Esse ‘automatismo’ na crítica, além de superficial e irresponsável, é bastante surpreendente”, diz.