Os segundos domingos de agosto são estranhos para mim. Geralmente, porque nas últimas três décadas, eu não dou presentes, abraços, beijos, cafés da manhã ou apenas lembro do meu, como fazem os normais. É impressionante como a cada ano eu tenho mais uma, ou mais algumas figuras, na memória durante todo o dia neste dia. Agora estou sentado aqui, vendo meu filho ao lado fazendo caligrafia, enquanto tento traduzir o sentimento que aflora no coração. É meu quinto Dia dos Pais sendo pai. Mas, isso não importa. Não se trata do meu filho e de mim, trata-se de mim e meu pai, meus pais.
Se você acha que o Dia dos Pais é abraçar os filhos e receber presentes deles, você não entendeu nada. Vamos lá…
Meu primeiro pai, o Linhares, me colocou no mundo e influenciou a ser jornalista. Certo, talvez não tenha sido lá uma boa influência. E nos dias de hoje, então, gente do céu. Só que se não fosse por ele, muito provavelmente eu não seria o profissional que sou. Aprendi com ele a ter esmero pelo trabalho, pela intelectualidade e pela busca pela excelência.
Os pequenos valores que fundamentaram minha personalidade aprendi no chão daquela sala, ainda criança, ouvindo. Meu primeiro pai foi o engenheiro da minha base que outros, depois dele, ajudaram a transformar em um arranha-céu (O trocadilho escroto era inveitável).
Só que meu pai, meu por direito verdadeiro pai, morreu cedo e não era afeito a demonstrações de afeição. Quase sempre minhas lembranças são de trabalho. Ele me chamava de “Seu Júnior”. Não lembro de ser chamado de filho.
Foram alguns anos com a completa inexistência de figura paterna. Tempos difíceis… Tempos que tentaram me puxar para o subsolo e me prender lá para sempre, como acontece com a maioria.
Então Deus me deu o meu segundo pai, um vizinho Roberto. Hoje, além de meu pai, é padrinho de batismo. Roberto se compadeceu da minha situação na época e me acolheu em sua casa algumas vezes. Incentivou meus estudos e me deu a mão no momento mais solitário que eu tive na vida. No dia do resultado do vestibular, estava comigo no terraço de sua casa ouvindo o rádio. Roberto nunca iria saber o efeito que aquela companhia teve na minha vida. Foi a primeira vez que eu ouvi, no meu espírito, “parabéns, filho”. Bem, talvez vá saber agora. E foram outros tantos anos me apresentando figuras que me tiraram um pouco da escuridão. Tequila, Bolão, Rodolfo, Osmar, Pandelis… Gente boa, gente do bem. Boas cercas, bons vizinhos.
Apesar de ser meu pai por uns anos, não lembro de ser chamado de filho por Roberto nenhuma vez.
Ingressei no Jornal Pequeno e conheci Seu Reinaldo, o motorista. Dentro daquele Fiat Uno prateado, consolidei a inspiração que meu primeiro pai me deu: ser jornalista. E a ironia é que coube a um pai subletrado e sem formação me apontar alguns caminhos que foram iniciados por um pai intelectual. Como não me deixar pisar, como pisar quando preciso, como perceber, como reagir. Seu Reinaldo foi, entre os meus pais, aquele que mais acreditou que eu poderia ser alguém diferente, alguém melhor.
Quando o abalo me fazia tremer as pernas, ele fechava a porta do Uno e começava com um “Olha”. Então adivinha uma série de conselhos que me levantavam, sacudiam a poeira e me colocavam nos trilhos.
Seu Reinaldo me chamou de filho raras vezes. Em todas foi tomando gosto com minha mãe.
Como não só de bons pais se faz o mundo, lá pelos 30 conheci Denilson. Meu pai de cachaçada, meu pai dos péssimos exemplos, da faca nos dentes, chute na porta e sangue no olho. Só que quando éramos apenas nós dois naquela mesa, era a brisa depois da tempestade. Era o gelo depois do soco. ERa o abraço depois da surra de cinto.
Muitas das grandes decisões que eu tomei na vida, tomei seguindo seus conselhos tomando geladas, uma dose de tequila e um comentário escroto sobre rabo de saia. Um filho que não conhece as nuances da cafajestagem na companhia do pai em mesa de bar está sujeito a ser apenas um cafajeste depois que virar adulto.
Denilson também nunca me chamou de pai.
Em 26 de julho de 2020, eu quase morri. Fui salvo pela pandemia, que criou as condições para que eu não resolvesse o problema apenas tomando um Tylenol, por uma equipe de médicos brilhantes e por um pai que eu nunca imaginei que teria no que viria a se tornar o momento mais difícil da minha vida. Na manhã daquele dia, eu tinha convicção plena e absoluta de que iria morrer. Estava sereno, acredite. Já tinha aceitado que não haveria mais meu filho, mulher e mãe. Não haveria mais vida, amigos. Não haveria mais jornalismo. Nada das agruras e vitórias que dele decorrem. Não haveria mais angústia e nem placidez. Não haveria mais pais…
Por esses acasos do destino fiz algumas ligações, entre elas para Fernando. E por todos aqueles dias, todos os dias, ele ligava querendo saber como eu estava. E por todos aqueles dias, que eu considerava serem os últimos dias, eu tive a figura paterna que me faltava: a do pai cuidando de mim na doença. “Como tu estás? Faz chamada de vídeo aí que eu quero te ver”.
E de lá para cá, eu ganhei meu quinto pai e foi formada a “mão de Deus” na minha vida. A vida é feita de influências, entendedores entenderão.
Nenhum de vocês nunca me chamou de filho, mas todos são meus pais. Porque cada um, consciente ou inconscientemente, serviu-me de pai em bons momentos e momentos ruins.
Sem vocês na minha vida, eu não seria o pai que sou. Porque a cada um de vocês eu devo a inspiração para ser todos vocês em apenas um. A satisfação que eu sinto sabendo que sou um pouco de vocês, tendo a plena convicção e certeza inabalável de que sou a junção de todos vocês… Ah, essa é uma sensação que nem todas as palavras bonitas do mundo irão explicar.
Sobre o segundo domingo de agosto tratar-se de pais e não de reconhecimento de filhos… Esqueça seus filhos, hoje é Dia dos Pais. Aquele dia em que você agradece a Deus pelas figuras paternas que teve na vida. Na maioria das vezes é apenas uma, talvez duas quando se tem um grande avô. No meu caso não teve avôs e meu pai “de verdade” foi só um pouquinho. Só que, acreditem, eu me sinto o filho mais amado do mundo pelos meus pais.
Feliz Dia dos Pais, meus pais. Eu amo todos vocês.