SÃO LUÍS, 10 de novembro de 2023 – Sob a desculpa de combater a fome, uma parcela significativa dos políticos da atualidade não sentiria pudor nenhum em roubar produtos de supermercados e distribui-los ao povo. “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”, disse o jornalista H.L. Mencken.
Recentemente o destino, ao invés de um supermercado para saquear, colocou no radar da classe política maranhense o Colégio Educallis. Um caso que reflete bem o lado mais irresponsável de leviandade que a política tomou nos últimos tempos.
No dia 3 de novembro, um pai revoltado gravou um vídeo que desencadeou um processo de linchamento público do Colégio Educallis e foi abraçado por alguns políticos. Delegado de polícia, o pai afirmou que o filho, de 5 anos, passou em todas as provas com notas elevadas (guardem esse detalhe) e não foi aceito na escola por ser autista. Estaria então configurado um caso de preconceito contra a criança.
Fazendo uso do conhecimento da profissão, o pai realizou uma gravação em que induz uma secretária da escola a afirmar, de forma superficial, que as vagas para portadores de deficiência são limitadas. Após colher a declaração, ele saiu do lugar, foi para o lado de fora e filmou a fachada. Não foi uma gravação espontânea de um pai irritado, foi uma peça planejada.
Na impossibilidade de saquear o supermercado…
Imediatamente após a divulgação do vídeo, deputados, secretários e políticos em geral saíram em defesa do pai e contra a escola. “Como assim a escola se recusa a aceitar autistas? Que absurdo! Preconceito!”.
Karen Barros, presidente do Procon, percebeu a “onda” de oportunidade, pegou sua prancha e foi para o abraço. Em cima da prancha do oportunismo, ordenou aos funcionários que produzissem um vídeo. A peça veio com trilha sonora fantasmagórica, mostrando a escola sendo notificada. Qual o interesse do Procon em espetacularizar a situação? Apenas a herdeira do Procon poderá responder.
Então veio o balde de água fria. O Educallis divulgou nota em que afirmava que não agiu sem respaldo, pois seguia uma resolução do Conselho Estadual de Educação de 2002. Mais especificamente o Art. 12 da Resolução nº 291/2002, que limita a três o número de alunos portadores de deficiência por sala.
E o que é o Conselho Estadual de Educação?
Estabelecido pela Lei Estadual n.º 2.235, de 28 de dezembro de 1962, o Conselho Estadual de Educação do Maranhão (CEE), é um órgão colegiado de caráter normativo, consultivo, deliberativo e propositivo do Maranhão. No parágrafo III do Art. 13 de seu regimento, que trata das competências do Conselho, é colocada de forma cristalina e de entendimento fácil até aos mais picaretas dos burocratas estatais: “III. elaborar e aprovar normas sobre: a) organização e funcionamento do sistema de ensino”.
O documento trouxe a luz necessária para iluminar os verdadeiros criminosos da história.
Primeiro, o pai do garoto. Como operador da lei e treinado para investigar, o delegado teve a pachorra de fazer uma denúncia tão grave sem o cuidado MÍNIMO de saber a motivação da escola. Poderia ter feito a denúncia? Ter externado sua raiva? Sim! Só que a impressão que ficou foi que, muito mais do que protestar, ele pretendia machucar a escola manchando a reputação dela internet.
Lembram dos detalhes do excelente desempenho do garoto nas provas? Pois bem, segundo a escola, ele fora matriculado em processo de seleção COMUM. Sem acompanhamento e suporte devidos à sua condição. O que é algo muito bom, diga-se de passagem. No entanto, se tivesse sido colocado para fazer a seleção no processo especial, teria sido informado logo no ato da inscrição de que, segundo a resolução do CEE, as vagas já estavam ocupadas. O garoto, disputando como uma criança comum, teve desempenho exemplar e passou. Ocorre que a condição de autismo só foi comunicada na última etapa do processo de seleção (entrevista). Foi então que veio a notícia de que o menino não poderia ser matriculado, o que despertou a revolta do pai.
A ação, inconsequente, manchou a imagem da escola e poderia ter arruinado um negócio que provém o sustento de centenas de pessoas e ampara milhares de outros alunos. Note-se: a frustração do pai com a situação é legítima, mas não dá a ele, e nem a ninguém, o direito de expor empresa ou pessoa de forma leviana.
Já os políticos… Bem, tão acostumados em cometer crimes, é óbvio que não teriam, não têm e não terão preocupação em consultar os limites de seus atos. Todos enquadrados no mesmo delito cometido pelo pai. Só que o pai ainda pode arvorar-se no amor pelo filho. A motivação dos políticos, essa todos já sabem qual é. Sempre será assim.
A coisa é verdadeiramente grave no caso do Procon-MA. Aquele vídeo desavergonhado é um cruzamento satânico entre calúnia, difamação, abuso de autoridade, crime de responsabilidade, safadeza e exercício ilegal da profissão. Uma obra-prima da picaretagem.
Do pai era esperada responsabilidade ao checar a denúncia antes de fazê-la. Dos políticos, o impossível, prudência antes de dar ressonância à denúncia. Situações desejáveis, mas não imperativas. Já o Procon-MA carrega o dever que nem na mais ambígua das situações pode deixar de existir: a análise jurídica profunda e a certeza do que vai denunciar.
Não há situação em que o Procon-MA coloca o carro na rua para expor uma empresa, ou empresário, antes de checar se pode. Uma simples ligação para a escola poderia ter evitado o cometimento do crime pelo Procon-MA. Só que não! Ante a iminência de curtidas e o dever do ofício, Karen Barros escolheu, como sempre escolhe (por que será?), as curtidas.
Em setembro deste ano, o jovem autista Alison David Barbosa da Cruz foi torturado e assassinado por membros de uma facção criminosa. Sabe-se á por que, nenhum dos revoltados com o caso Educallis repreendeu o crime ou foi atrás dos assassinos cobrando punição.
A ignorância à serviço dos boçais
Não é preciso ser muito inteligente para entender a motivação do Art. 12 da Resoluçãon.ºº 291/2002 em que se abrigou o Colégio Educallis. Seus autores pretendiam garantir às escolas e educadores um direito fundamental em qualquer ofício que se pretenda sério, diferentemente da política e do Procon: o direito de prever o ambiente para planejar os métodos.
Saber quantos alunos portadores de deficiência irão ocupar as salas de aula possibilita a educadores o planejamento do trato destes alunos. Por mais que os espertalhões de plantão tentem vender que um garotinho, ou garotinha, com deficit autista nível 3 seja uma criança comum, NÃO É! Esse tipo de aluno requer muito mais atenção, muito mais afeição, muito mais técnica educacional, muito mais paciência e muito mais recursos que alunos comuns.
Então veio o balde de água fria. O Educallis não agiu sem respaldo, seguia uma resolução do Conselho Estadual de Educação de 2002. Mais especificamente o Art. 12 da Resolução nº 291/2002 que limita a três o número de alunos portadores de deficiência por sala. Apenas um malabarismo mental obsceno dirá que não, que todos são iguais e carecem das mesmas condições.
Ao estipular o limite lá em 2002, o CEE pretendia alcançar a harmonia entre a inclusão, operação, alunos habituais, alunos especiais, professores e pais. Possível apenas em um ambiente pré-determinado.
A resolução precisa ser revista? Sim, pelo menos é o que diz a presidente da Associação dos Pais e Amigos dos Autistas, Telma Sá Nascimento. Em entrevista à TV Mirante, nesta semana, para comentar o caso.
A lei não determina que tipos de condições especiais podem ser enquadradas no limite. O que é um erro. Há condições, como cadeirantes e portadores da maioria das deficiências de mobilidade, que podem ser retirados da situação. Bem como autistas de nível 1.
Só que a entrevista de Telma é interessante por conta de um pequeno detalhe. Ela afirmou que foram realizadas duas audiências públicas em 2022 para debater a modernização da resolução. Telma não falou de suprimir, mas de adequar os números.
Infelizmente nenhum dos entrevistadores perguntou a ela quantos dos políticos irados com o Colégio Educallis estavam lá em 2022, quando o tema era discutido sem o holofote das redes sociais. Inclusive o secretário de Educação. Aparentemente nenhum estava lá. Por que será, não é?
Pelo amor de Deus, apaguem a resolução!
Emparedados pelo delito que cometeram ao acusar de preconceito quem seguia uma resolução de um conselho deliberativo, o que decidiram os políticos? Apagar a resolução e mudar a lei. Sem nenhum debate, sem ouvir profissionais, educadores e/ou diretores. Que se mude a lei e pronto! Problema resolvido!
Isso se dá por uma razão simples: a solução fácil é sempre mais sedutora. A praticidade da comodidade seduz. Políticos são os catalisadores de toda a fundação dos caminhos mais fáceis. O símbolo da política deveria ser, inclusive, uma cigarra.
Resolveram o problema na base de uma canetada, motivados por um vídeo leviano de um pai sob o efeito de forte emoção e pela necessidade de impedir que o Colégio Educallis acionasse a todos na Justiça.
Bora resolver?
Se ao invés de aplausos e curtidas os envolvidos tivessem em mente a melhoria da vida das pessoas, talvez o vídeo equivocado pudesse ter despertado uma ampla discussão que atendesse ao desejo da Associação dos Pais e Amigos dos Autistas e reformasse a lei. Ouvindo responsáveis, pais, educadores e proprietários de escola de forma correta e racional. Só que esse seria o caminho difícil, cansativo e exigiria um conhecimento que transcendesse a picaretagem fácil de fazer videozinho com trilha sonora mequetrefe demonstrando interesse falso por dificuldade alheia.
A canetada que querem dar “apagando” a lei é como Meken dizia: “uma solução simples, elegante e completamente errada”.
Uma resposta
EIS AÍ UMA LÚCIDA E SENSATA ANÁLISE DO CASO E DE SUA PSEUDO SOLUÇÃO SIMPLÓRIA. NOTA DEZ AO AUTOR DO TEXTO. NOTA ZERO AO AUTOR DA “CANETADA”, VCE GOVERNADOR FELIPE CAMARÃO.