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Autoridade e autoritarismo, segundo Hannah Arendt

01/02/2023 - Catarina Rochamonte

A autoridade, explica Hannah Arendt, é comumente confundida com alguma forma de poder ou violência. Isso se dá porque ela sempre exige obediência. Contudo, “a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou.[1]” A autoridade se contrapõe não apenas à coerção pela força, mas também à persuasão através de argumentos: “onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso[2]”. É na hierarquia, cuja legitimidade é reconhecida tanto por aquele que manda quanto por aquele que obedece, que a autoridade se assenta.

No ensaio O que é autoridade?, Arendt delimita o conceito em questão a fim de possibilitar a sua contraposição à estrutura de governo totalitária, que se erigiu também como uma resposta à crise da autoridade. Longe de confundir autoritarismo com autoridade legítima ou governos autoritários com regimes totalitários, suas reflexões acerca do tema têm por objetivo depurar os conceitos a fim de que as análises alcancem o fenômeno do totalitarismo na sua peculiaridade e distinção. Na sua interpretação, o desenvolvimento de formas totalitárias de governo relaciona-se, em algum grau, com “o pano de fundo de uma quebra mais ou menos geral e mais ou menos dramática de todas as autoridades tradicionais[3]”.

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Moeda comum ou subsídio cruzado?

25/01/2023 - André Bolini*
Conforme apresentada hoje, proposta de moeda comum entre Brasil e Argentina pode representar custo bilionário para brasileiros. Entenda.

Nosso País não é para amadores – estou cada vez mais convencido disso (para o nosso infortúnio, claro). Na pauta da semana, o debate recai sobre a proposta de criação de uma moeda comum entre Brasil e Argentina. Via de regra, eu simplesmente soltaria uma longa gargalhada, com tão estapafúrdia ideia – e voltaria a trabalhar para pagar os meus quintos dos infernos devidos ao perdulário Estado brasileiro. Mas, diante de tanta confusão, quero lançar aqui oportunos questionamentos ao debate público. Comecemos, então, nossos dois dedos de prosa.

A Argentina encontra-se em uma grave enrascada: para além de sua galopante inflação de 94% ao ano, os dólares estão cada vez mais escassos na economia hermana. Isso naturalmente surte reflexos: não apenas o câmbio paralelo floresce, como o próprio comércio internacional argentino é colocado em xeque. Afinal, para poder importar produtos e serviços de outros países, a moeda corrente utilizada nas transações globalmente padronizadas – o dólar – já não se faz disponível. E, por mais próximos que sejam, nem sempre convém a todos os seus parceiros comerciais manter reservas em pesos. O governo chinês, por exemplo, em caráter de exceção, passou a operar com o Banco Popular da China, fazendo operações de câmbio (“swaps”) com o Banco Central da Argentina – que, por sua vez, mantém reservas internacionais em yuans – a moeda corrente chinesa. E, com isso, a China vem ganhando mais espaço na economia argentina.

O Brasil, em contrapartida, segue como o maior parceiro comercial da Argentina. No total, nossas exportações para o país vizinho totalizam o equivalente a US$ 15,3 bilhões e nossas importações, US$ 13,1 bilhões (2022). Nesse cenário, o Brasil registra um superávit comercial da ordem de US$ 2,2 bilhões – isto é, vende mais do que compra e, por isso, na relação Brasil-Argentina, entram mais dólares na nossa economia do que saem. Mas, diferentemente da China, o Banco Central brasileiro tem restrições legais para fazer o mesmo tipo de operação cambial. É nesse contexto que nasce a discussão de uma possível moeda comum entre Brasil e Argentina, a ser batizada de “sur”.

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Pai, por que tão perto de mim esse cálice?

Não se propõe, por enquanto, a criação de uma moeda aos moldes do Euro – de uso único e cunho forçado para ambos os países, abolindo o peso e o real. Não é nada disso! Falsos alardes foram gerados, ainda que absolutamente compreensíveis – dado o histórico de loucuras e pirotecnias econômicas já defendidas e implementadas pelo PT. Do outro lado, contudo, não se alegrem os entusiastas do atual governo, pois complemento minha colocação: a ideia atualmente proposta é tão ruim quanto. Uma infame piada de mau gosto, a meu ver. Por isso, doravante, refiro-me à tal “sur” como “estalecas bolivarianas”.

Façamos a seguir alguns exercícios mentais, meu caro amigo leitor. O Brasil exporta mais para a Argentina do que dela importa – ou seja, vende mais do que compra. Hoje, isso significa acumular um saldo líquido de dólares, já que nosso comércio internacional é todo dolarizado. Diga-se de passagem, temos reservas em dólar porque este sim é uma moeda de altíssima liquidez e passível de aceitação por qualquer outro país do globo. Agora, imaginemos acumular, ao invés de dólares, as tais estalecas bolivarianas. No ápice de minha inocência, pergunto: o que diabos faríamos com esse saldo líquido de estalecas bolivarianas?

Historicamente, o Brasil sempre teve superávit comercial com a Argentina – isto é, sempre acumulou divisas recebidas dos hermanos. Sendo assim, é de se supor que também iríamos acumular saldo positivo de estalecas bolivarianas. Pois é neste pequeno detalhe que reside Belzebu: o que fazer com o histórico e estrutural superávit comercial quando revertido em uma moeda de baixa liquidez e com aceitação restrita a apenas esses dois países?

Dentre os cenários possíveis, não vejo boa saída. Se podemos apenas utilizar as estalecas bolivarianas com a Argentina, isso significa que, ao acumular um saldo positivo da nova moeda, o Brasil ficaria obrigado, cedo ou tarde, a utilizar esse valor em importações da própria Argentina (atualmente, na ordem de US$ 2 bilhões ao ano – equivalente a quase R$ 11 bilhões). Mas, note, amigo leitor: se outrora eu, brasileiro, teria liberdade para utilizar minhas divisas em operações de compra e venda com outros quaisquer países, valendo-me dos dólares recebidos, agora, com a nova moeda em curso, acumulando o saldo de estalecas, eu deixaria de fazer comércio com quem normalmente faria para utilizar meu saldo junto aos hermanos. Ainda que de forma disfarçada, portanto, estabelece-se uma cota preferencial de comércio para com a Argentina – implicando, necessariamente, em destruição de valor para os brasileiros. Subsídio cruzado, na prática, em favor da Argentina.

Surgem alternativas, naturalmente. Há nomes no governo sugerindo que a nova moeda teria como lastro garantias reais em colateral. Mas, para aqueles que já aceitaram charuto como contrapartida de garantia em operações de crédito às exportações cubanas, reluto em acreditar que, desta vez, nosso colateral teria caráter tão diferente. Por isso, sequer considero a execução de tais garantias como fonte crível de liquidez. Assim como considero péssimas as possibilidades de eventuais operações de trading de crédito de estalecas bolivarianas – que País, afinal, compraria tais ativos a 100% do valor de face, sem impor deságio ao assumir nossa brilhante nova moeda? Novamente: subsídio cruzado, na prática, em favor da Argentina.

Elucidem-me os colegas, porque eu, particularmente, não consigo vislumbrar saldo líquido positivo nessa história. Competir com a China pelo espaço na balança comercial argentina? Não me parece valer o custo bilionário que se pode impor ao povo brasileiro por um parceiro que corresponde a 4% de nossa carteira de parceiros em exportações. Ademais, conheço a ficha corrida dos autores da iniciativa: confesso dificuldade em renegar aquelas frequentes intenções não declaradas por trás da típica ideia de integração regional – via de regra, o repasse de auxílios a governos amigos e financeiramente arruinados. Seria este que vos escreve demasiadamente cético ou apenas um conhecedor e nostálgico do tradicional modus operandi lulopetista?

*André Bolini é formado em Administração de Empresas pela FGV-SP e estudante de Direito pela USP. 

A notícia da criação de uma ‘moeda comum’ entre Brasil e Argentina circulou amplamente no fim de semana – fazendo muita gente concluir que era mais uma heterodoxia econômica do PT, uma tentativa de entrelaçar o destino econômico do Brasil com a de um vizinho ainda mais frágil economicamente do que nós.

A notícia veio da boca do próprio Ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, que disse ao Financial Times que os dois países decidiram “começar a estudar os parâmetros necessários para uma moeda comum, que inclui tudo, de questões fiscais ao tamanho da economia e o papel dos bancos centrais.”

Mas não era bem assim.

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A Democracia pode ser moral?*

19/01/2023 - William Gairdner
Qual é a resposta para esse conflito no coração da democracia, e por que vemos tantos com instintos conservadores, de verdade absoluta, promovendo técnicas liberais, de verdade relativa?

O princípio mais fundamental da democracia popular direta é que, mesmo que a vontade do povo vá contra a consciência pessoal de um membro do Parlamento, ele ou ela deve expressar essa vontade.

Tal lógica nos leva a perguntar: Então, por que não escolher um representante da lista telefônica? Aliás, por que escolher alguém? Por que as pessoas simplesmente não enviam uma carta pelo correio noturno a um computador parlamentar de contagem de votos? A resposta leva a um conflito entre duas visões irreconciliáveis ​​da verdade sobre a democracia.

Para um líder, a verdade é permanente

Políticos que se consideram líderes, em vez de delegados, adotam a visão conservadora clássica, delineada desde antigos como Platão até os modernos como T.S. Eliot. Diferentemente dos congêneres modernos do “dedo ao vento”, esses conservadores acreditam que as maiores verdades morais da vida são absolutas, permanentes e imutáveis. Há valores duradouros que devem ser descobertos através da reflexão e da experiência, e então invocados por sábios líderes. Uma vez e somente então descobertos estes valores, os devidos julgamentos políticos e morais podem ser feitos, sem serem afetados por quantos podem votar desta maneira ou daquela, na Segunda ou Terça-feira. A verdade moral, em outras palavras, como 2 + 2 = 4, não pode ser alterada pelo voto.

Para um político, a verdade é uma questão de popularidade.

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Sobre superávit comercial e intervenção estatal

18/01/2023 - Roberto Rachewsky
A ideia de que superávit comercial é positivo, é um engodo.

Diferentemente do que a quase totalidade dos economistas alardeiam, o superávit comercial do Brasil não se deveu a uma (inexistente) maior abertura comercial. 

Exportações nunca foram objeto de restrições por parte do governo. O alvo das barreiras alfandegárias, seja pelo controle, pela burocracia, pelas limitações, pela tributação excessiva, sempre foram as importações. 

Sempre existiu uma visão mercantilista sobre as transações comerciais entre empresas e indivíduos estabelecidos no Brasil e seus congêneres estrangeiros. 

A ideia de que superávit comercial é positivo, é um engodo. O simples fato de alguém produzir esse cálculo estatístico demonstra desconhecimento sobre a natureza e propósito do comércio internacional, da globalização, das trocas livres entre compradores e vendedores atuando em diferentes países. 

Comércio internacional é feito por particulares e o que os governos podem fazer é atrapalhar esse processo em algum momento. Já existem reguladores naturais que fazem com que haja um equilíbrio no mercado, a lei da oferta e procura, tanto dos bens em si, quanto das moedas que servem de meio de troca. 

Se há superávit tão grande nas contas feitas pelo governo, é bem possível que os brasileiros estejam sendo obrigados a adquirir produtos ruins e caros produzidos no país, em vez de poderem ter acesso a bens com mais valor agregado a preços menores. 

Esse tipo de estatística envolve tanta gente e tanta burocracia, que a ignorância sobre esses dados seria muito mais produtiva para o mercado, o que inclui os consumidores.

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