HOMENAGEM

Feliz Dia dos Pais, meus pais

13/08/2023 - José Linhares Jr
Dia dos Pais
Esqueça seus filhos, hoje é Dia dos Pais. Aquele dia em que você agradece a Deus pelas figuras paternas que teve na vida. Hoje eu quero lembrar dos meus cinco pais.

Os segundos domingos de agosto são estranhos para mim. Geralmente, porque nas últimas três décadas, eu não dou presentes, abraços, beijos, cafés da manhã ou apenas lembro do meu, como fazem os normais. É impressionante como a cada ano eu tenho mais uma, ou mais algumas figuras, na memória durante todo o dia neste dia. Agora estou sentado aqui, vendo meu filho ao lado fazendo caligrafia, enquanto tento traduzir o sentimento que aflora no coração. É meu quinto Dia dos Pais sendo pai. Mas, isso não importa. Não se trata do meu filho e de mim, trata-se de mim e meu pai, meus pais.

Se você acha que o Dia dos Pais é abraçar os filhos e receber presentes deles, você não entendeu nada. Vamos lá…

Meu primeiro pai, o Linhares, me colocou no mundo e influenciou a ser jornalista. Certo, talvez não tenha sido lá uma boa influência. E nos dias de hoje, então, gente do céu. Só que se não fosse por ele, muito provavelmente eu não seria o profissional que sou. Aprendi com ele a ter esmero pelo trabalho, pela intelectualidade e pela busca pela excelência.

Os pequenos valores que fundamentaram minha personalidade aprendi no chão daquela sala, ainda criança, ouvindo. Meu primeiro pai foi o engenheiro da minha base que outros, depois dele, ajudaram a transformar em um arranha-céu (O trocadilho escroto era inveitável).

Só que meu pai, meu por direito verdadeiro pai, morreu cedo e não era afeito a demonstrações de afeição. Quase sempre minhas lembranças são de trabalho. Ele me chamava de “Seu Júnior”. Não lembro de ser chamado de filho.

Foram alguns anos com a completa inexistência de figura paterna. Tempos difíceis… Tempos que tentaram me puxar para o subsolo e me prender lá para sempre, como acontece com a maioria.

Então Deus me deu o meu segundo pai, um vizinho Roberto. Hoje, além de meu pai, é padrinho de batismo. Roberto se compadeceu da minha situação na época e me acolheu em sua casa algumas vezes. Incentivou meus estudos e me deu a mão no momento mais solitário que eu tive na vida. No dia do resultado do vestibular, estava comigo no terraço de sua casa ouvindo o rádio. Roberto nunca iria saber o efeito que aquela companhia teve na minha vida. Foi a primeira vez que eu ouvi, no meu espírito, “parabéns, filho”. Bem, talvez vá saber agora. E foram outros tantos anos me apresentando figuras que me tiraram um pouco da escuridão. Tequila, Bolão, Rodolfo, Osmar, Pandelis… Gente boa, gente do bem. Boas cercas, bons vizinhos.

Apesar de ser meu pai por uns anos, não lembro de ser chamado de filho por Roberto nenhuma vez.

Ingressei no Jornal Pequeno e conheci Seu Reinaldo, o motorista. Dentro daquele Fiat Uno prateado, consolidei a inspiração que meu primeiro pai me deu: ser jornalista. E a ironia é que coube a um pai subletrado e sem formação me apontar alguns caminhos que foram iniciados por um pai intelectual. Como não me deixar pisar, como pisar quando preciso, como perceber, como reagir. Seu Reinaldo foi, entre os meus pais, aquele que mais acreditou que eu poderia ser alguém diferente, alguém melhor.

Quando o abalo me fazia tremer as pernas, ele fechava a porta do Uno e começava com um “Olha”. Então adivinha uma série de conselhos que me levantavam, sacudiam a poeira e me colocavam nos trilhos.

Seu Reinaldo me chamou de filho raras vezes. Em todas foi tomando gosto com minha mãe.

Como não só de bons pais se faz o mundo, lá pelos 30 conheci Denilson. Meu pai de cachaçada, meu pai dos péssimos exemplos, da faca nos dentes, chute na porta e sangue no olho. Só que quando éramos apenas nós dois naquela mesa, era a brisa depois da tempestade. Era o gelo depois do soco. ERa o abraço depois da surra de cinto.

Muitas das grandes decisões que eu tomei na vida, tomei seguindo seus conselhos tomando geladas, uma dose de tequila e um comentário escroto sobre rabo de saia. Um filho que não conhece as nuances da cafajestagem na companhia do pai em mesa de bar está sujeito a ser apenas um cafajeste depois que virar adulto.

Denilson também nunca me chamou de pai.

Em 26 de julho de 2020, eu quase morri. Fui salvo pela pandemia, que criou as condições para que eu não resolvesse o problema apenas tomando um Tylenol, por uma equipe de médicos brilhantes e por um pai que eu nunca imaginei que teria no que viria a se tornar o momento mais difícil da minha vida. Na manhã daquele dia, eu tinha convicção plena e absoluta de que iria morrer. Estava sereno, acredite. Já tinha aceitado que não haveria mais meu filho, mulher e mãe. Não haveria mais vida, amigos. Não haveria mais jornalismo. Nada das agruras e vitórias que dele decorrem. Não haveria mais angústia e nem placidez. Não haveria mais pais…

Por esses acasos do destino fiz algumas ligações, entre elas para Fernando. E por todos aqueles dias, todos os dias, ele ligava querendo saber como eu estava. E por todos aqueles dias, que eu considerava serem os últimos dias, eu tive a figura paterna que me faltava: a do pai cuidando de mim na doença. “Como tu estás? Faz chamada de vídeo aí que eu quero te ver”.

E de lá para cá, eu ganhei meu quinto pai e foi formada a “mão de Deus” na minha vida. A vida é feita de influências, entendedores entenderão.

Nenhum de vocês nunca me chamou de filho, mas todos são meus pais. Porque cada um, consciente ou inconscientemente, serviu-me de pai em bons momentos e momentos ruins.

Sem vocês na minha vida, eu não seria o pai que sou. Porque a cada um de vocês eu devo a inspiração para ser todos vocês em apenas um. A satisfação que eu sinto sabendo que sou um pouco de vocês, tendo a plena convicção e certeza inabalável de que sou a junção de todos vocês… Ah, essa é uma sensação que nem todas as palavras bonitas do mundo irão explicar.

Sobre o segundo domingo de agosto tratar-se de pais e não de reconhecimento de filhos… Esqueça seus filhos, hoje é Dia dos Pais. Aquele dia em que você agradece a Deus pelas figuras paternas que teve na vida. Na maioria das vezes é apenas uma, talvez duas quando se tem um grande avô. No meu caso não teve avôs e meu pai “de verdade” foi só um pouquinho. Só que, acreditem, eu me sinto o filho mais amado do mundo pelos meus pais.

Feliz Dia dos Pais, meus pais. Eu amo todos vocês.

ARTIGO

A ideologia dos juízes e a resistência da sociedade

14/07/2023 - Ernesto Araújo
Barroso
O certo é que, no decorrer do livro, o ministro Barroso explicita seu entendimento de que os juízes muitas vezes julgam de acordo com suas preferências ideológicas.

Logo ao abrir o livro Curso de Direito Constitucional Contemporâneo de Luís Roberto Barroso, o leitor se depara com esta curiosa dedicatória:

“Aos que sonharam com a revolução que não veio.
Aos que não perderam o ideal.”

Pouco depois, na primeira página do texto, o ministro Barroso rememora seus tempos de militância no movimento estudantil, iniciada em 1978. Essa menção nos sugere que os sonhadores aos quais dedica a obra são seus antigos correligionários do movimento estudantil e que a revolução sonhada é a revolução socialista, meta ideológica da imensa maioria senão de todos os participantes daquele movimento à época.

Mas repare-se que o ministro não deixa a referência no passado nostálgico. Traz o seu contexto para o presente e para o futuro. Dedica o livro também aos que “não perderam o ideal”, deixando supor que se trate daqueles mesmos sonhadores que, amadurecidos, ainda almejam algum tipo de revolução orientada pelos mesmos valores básicos, embora não exatamente com a mesma forma da revolução desejada nos anos 70. É lícito imaginar que o próprio autor se veja, implicitamente, entre estes que “não perderam o ideal”.

A primeira frase do livro dá uma ideia de qual possa ser o ideal em questão:

“O direito constitucional e a teoria da Constituição passaram por uma revolução profunda e silenciosa nas últimas décadas. Disso resultou um conjunto amplo de transformações, que afetaram o modo como se pensa e se pratica o Direito no mundo contemporâneo.” (Pág. 21 da 5ª. edição).

Da leitura combinada da dedicatória e da frase que se lhe segue imediatamente, na primeira página de texto, pode surgir uma suspeita e uma indagação: será que uma revolução constitucional substitui a revolução socialista nos sonhos daqueles que idealizavam, nos anos 70, uma sociedade comunista? Será que a revolução no direito constitucional e na teoria da Constituição é a revolução “que veio”, em contraste com a revolução socialista, “que não veio”, e permite, por novos caminhos, a consecução dos mesmos “ideais”?

O certo é que, no decorrer do livro, o ministro Barroso explicita seu entendimento de que os juízes muitas vezes julgam de acordo com suas preferências ideológicas. A certa altura, com efeito, o ministro Barroso afirma:

“O Direito pode e deve ter uma vigorosa pretensão de autonomia em relação à política. Isso é essencial para a subsistência do conceito de Estado de direito e para a confiança da sociedade nas instituições judiciais. A realidade, contudo, revela que essa autonomia será sempre relativa. Existem razões institucionais, funcionais e humanas para que seja assim. Decisões judiciais, com frequência, refletirão fatores extrajurídicos. Dentre eles incluem-se os valores pessoais e ideológicos do juiz (…)” (Pág. 460).

Pouco depois, reitera:

“Com efeito, a observação atenta, a prática política e pesquisas empíricas confirmam o que sempre foi possível intuir: os valores pessoais e a ideologia dos juízes influenciam, em certos casos de maneira decisiva, o resultado dos julgamentos.” (Pág. 462).

A propósito, poder-se-ia indagar onde o ministro Barroso realizou essa “observação atenta” que o ajuda a concluir que a ideologia dos juízes influencia os julgamentos. No próprio Supremo Tribunal Federal? Possivelmente sim, pois um dos exemplos que cita em apoio à sua tese é o do voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito contrário à pesquisa com células-tronco de embriões humanos, posicionamento que, segundo sugere o ministro Barroso, teria sido influenciado pela ligação do ministro Menezes Direito ao “pensamento e à militância católica”. (Impossível não indagar aqui se algum voto ou medida de outro ministro do STF teria sido, no entendimento do ministro Barroso, influenciado por ligação à militância estudantil, por exemplo, ou ao pensamento socialista.)

Observa o ministro Barroso à Pág. 460:

“Por longo tempo, a teoria do Direito procurou negar esse fato [de que as decisões dos juízes são influenciados por fatores extrajurídicos entre os quais as preferências pessoais e ideológicas], a despeito das muitas evidências. Pois bem: a energia despendida na construção de um muro de separação entre o Direito e a política deve voltar-se agora para outra empreitada. Cuida-se de entender melhor os mecanismos dessa relação intensa e inevitável, com o propósito relevante de preservar, no que é essencial, a especificidade e, sobretudo, a integridade do Direito.”

Os trechos citados parecem sustentar que é teoricamente desejável, mas na prática impossível, separar o Direito da política. Que é desejável, mas impossível, evitar que os juízes julguem por seus valores ideológicos (entre outros “fatores extrajurídicos”, cabendo perguntar aqui, data venia, que outros fatores extrajurídicos seriam esses). Entende-se que o objetivo realista, segundo o autor, é “melhor entender” – e não proibir – os “mecanismos dessa relação” entre Direito e política.

Ao entender os mecanismos, parece acreditar o autor que é possível “conter” aquelas interferências ideológicas e outros fatores extrajurídicos. Como se daria essa contenção? Antes de mais nada, pela consciência do juiz de que suas preferências estão abaixo da Constituição e da lei. Ou seja, as preferências estão ali; os juízes não as afastam do seu campo decisório, apenas as “subordinam” ao texto legal ou constitucional. Além dessa disposição pessoal do juiz, seriam instrumentos de contenção das suas preferências pessoais também a pressão de outras instituições e a da sociedade civil. É o que se expõe no seguinte trecho:

“Note-se, todavia, em desfecho do tópico, que eventuais preferências políticas do juiz são contidas não apenas por sua subordinação aos sentidos mínimos das normas constitucionais e legais, como também por fatores extrajudiciais, dentre os quais se podem destacar: a interação com outros atores políticos e institucionais, a perspectiva de cumprimento efetivo da decisão, as circunstâncias internas dos órgãos colegiados e a opinião pública.” (Pág. 463-464)

A opinião pública, o sentimento social, parecem configurar, na linha de pensamento do autor, um meio de contenção especialmente importante das preferências pessoais dos juízes, pois reflete a expectativa de uma comunidade constituída de acordo com princípios democráticos. Veja-se à página 472:

“O poder de juízes e tribunais, como todo poder político em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Embora tal assertiva seja razoavelmente óbvia, do ponto de vista da teoria democrática, a verdade é que a percepção concreta desse fenômeno é relativamente recente. O distanciamento em relação ao cidadão comum, à opinião pública e aos meios de comunicação fazia parte da autocompreensão do Judiciário e era tido como virtude. O quadro, hoje, é totalmente diverso. De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associada à sua capacidade de corresponder ao sentimento social. Cortes constitucionais, como os tribunais em geral, não podem prescindir do respeito, da adesão e da aceitação da sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos.”

De um modo geral, portanto, parece lícito interpretar que o ministro Barroso, nesta obra basilar da teoria constitucional brasileira, reconhece a existência de preferências pessoais e ideológicas e outros fatores extrajurídicos a influenciar as decisões dos juízes – inclusive os da Suprema Corte – e não repudia frontalmente essa situação, mas considera que é necessário mitigá-la para que não prejudique o exercício do Direito. Entre os meios de mitigação inclui, com destaque, além da pressão de outras instituições do Estado, a demanda da sociedade como um todo, ou seja, a expectativa de que as decisões dos juízes correspondam ao sentimento social. Portanto, afigura-se possível afirmar, a partir do exposto pelo ministro Barroso, que a confiança ou desconfiança da sociedade em relação aos juízes, por um lado, e a atitude dos outros Poderes (no caso brasileiro, obviamente o Congresso e o Presidente da República), por outro, são balizas necessárias para que a justiça não se torne súdita da ideologia e preferência dos juízes.

O ministro Barroso, na referida obra, parece efetivamente ter grande fé no papel da sociedade em controlar as Cortes Constitucionais. Afirma, na pág. 472:

“Se os tribunais interpretarem a Constituição em termos que divirjam significativamente do sentimento social, a sociedade encontrará mecanismos de transmitir suas objeções e, no limite, resistirá ao cumprimento da decisão.”

Semelhante asserção convida a indagar: que mecanismos estão à disposição da sociedade brasileira para “transmitir suas objeções” a decisões do STF que eventualmente “divirjam significativamente do sentimento social”? O que acontecerá com algum setor da sociedade que, “no limite, resista ao cumprimento da decisão”?

*Ernesto Araújo é escritor, diplomata e estudioso da “logopolítica”, o terreno na intersecção da geopolítica, filosofia, cultura e teologia.

Notícia

A Independência em outras margens

28/07/2023 - José Linhares Jr
Maranhão
O Maranhão no bicentenário da Independência

Profa. Dra. Elizabeth Sousa Abrantes[1]

Prof. Dr. Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus[2]

No imaginário social brasileiro, a Independência política simbolizada no 7 de setembro de 1822 é vista como pacífica e amistosa, sem lutas e derramamento de sangue, obtida no grito, às “margens plácidas” do riacho Ipiranga por um Príncipe Regente que se tornaria, em seguida, o Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil, D. Pedro I. Essa interpretação clássica, que se encontra nas primeiras obras que historiaram o tema da Independência, e influenciaram o ensino de história nos compêndios escolares, deu pouca atenção às lutas que ocorreram em algumas províncias, como se todas as regiões que então compunham o território da América Portuguesa tivessem prontamente aderido ao famoso “Grito do Ipiranga”. Este episódio está cristalizado em vários signos, como o quadro Independência ou Morte, do pintor Pedro Américo, de 1888; a letra do hino nacional brasileiro, de autoria de Joaquim Osório Duque-Estrada, escrito no início do século XX, e oficializado no contexto do centenário da Independência; além da representação cinematográfica expressa em Independência ou Morte, filme de 1972, dirigido por Carlos Coimbra, que marcou a comemoração do Sesquicentenário da Independência, no contexto autoritário do regime militar brasileiro, que preconizava  a exaltação de heróis nacionais como “salvadores da pátria”.

Nessa história escrita para exaltar os feitos dos chamados “grandes homens”, as camadas populares foram relegadas ao esquecimento. Mas, as guerras de Independência mostram que esse foi um processo difícil que contou com a participação de diferentes segmentos sociais, com destaque para as camadas populares, que, mesmo engrossando as fileiras das forças expedicionárias que lutaram contra os portugueses, foram invisibilizadas e tratadas como massa de manobra, sem que seus anseios, projetos e utopias fossem considerados relevantes. As atuais pesquisas históricas vêm questionando essas interpretações cristalizadas que apresentam a região centro-sul do país como protagonista da Independência, como representante de uma interpretação de caráter nacional, em detrimento das demais províncias, como as do Norte, silenciando outros “gritos” e outras margens, nem sempre tão “plácidas”.

É importante considerar que cada província teve a sua particularidade no processo que levou à emancipação política do Brasil, como é o caso da província do Maranhão, que teve uma série de conflitos entre os setores da elite, e onde houve guerra para que os laços com Portugal fossem rompidos.

As lutas ocorridas no território maranhense iniciaram na região sertaneja, no centro-sul da província, fronteira com o Piauí, portanto, nas margens do rio Parnaíba, essa grande fronteira fluvial que separa essas províncias-irmãs. As tropas vindas do Ceará e do Piauí desbravaram o interior maranhense angariando mais adeptos que simpatizavam com a causa da Independência, formando o chamado “Exército Auxiliador”, e que a historiografia a algum tempo vem chamando de “Exército Libertador”. Essas tropas eram chamadas de independentistas, e se destacaram com seu avanço, obtendo conquistas nas batalhas travadas com as forças legalistas que ainda se devotavam à Coroa Portuguesa, gerando um grande temor na capital São Luís onde se encontrava a Junta Governativa, comandada pelo Bispo Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, um português que representava bem esse grupo que resistia à incorporação do Maranhão ao novo Império.

Esse “Exército Libertador” era muito heterogêneo, já que em sua composição contava com livres e escravizados, brancos, negros, mestiços, fazendeiros, caboclos, vaqueiros, pequenos lavradores, por fim, diferentes grupos sociais e étnicos. O palco da guerra foi a banda oriental (leste) do Maranhão, com destaque para as regiões de Itapecuru-Mirim, Brejo, Caxias e Pastos Bons. Esse grande contingente, com cerca de 6 mil homens, foi o grande responsável pela pressão militar que levou à rendição da Junta de Governo, embora os louros da vitória tenham ficado com o Almirante escocês Lorde Cochrane, enviado pelo Príncipe Regente para obter a capitulação da província do Maranhão, o que ocorreu com a sua chegada em 26 de julho de 1823, e a oficialização em 28 de julho por meio de uma cerimônia no Palácio do Governo, o atual Palácio dos Leões, com início às 11h, sem contar com a presença do almirante inglês, não havendo grandes cerimônias ou quaisquer comoções populares. Fizeram-se presente seis tripulantes do navio que se juntaram a 91 cidadãos, dentre os quais os membros da Junta de Governo e da Câmara e outros membros da elite, que, sob discrição, saudaram a integração do Maranhão ao Império do Brasil. Segundo os cronistas da época, ao redor do palácio havia poucas pessoas. Dessa forma, a saudação à Independência se deu com um simples tocar dos sinos, uma salva de tiros e o reconhecimento da Bandeira do Império do Brasil.

Em 28 de julho de 2023, ao comemorarmos o Bicentenário da Independência do Brasil no Maranhão, devemos lembrar das lutas populares nesse processo, para rompermos com esses silêncios que foram construídos historicamente, e que explicam, em parte, o pouco interesse das autoridades e a falta de conhecimento da população com essa que é a data magna do Estado. Então, nessa data festiva damos vivas ao povo maranhense pelas lutas travadas para a conquista da emancipação política e pela batalha diária em prol de sua cidadania.  


[1] Professora Associada do Departamento de História da UEMA; Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, Cadeira nº 24.

[2] Professor de instituições privadas de ensino superior; Membro do Núcleo de Estudos do Maranhão Oitocentista (NEMO).

politicamente correto
Há muito tempo existe também um movimento que reivindica a “necessidade” de se reescrever a Bíblia, para “adaptá-la” aos tempos atuais.

Recentemente, a jornalista Madeleine Lacsko foi acusada de transfobia, sendo condenada a pagar uma indenização de 3 mil reais para a influencer trans Rebecca Gaia, por tê-la chamado de “cara” em uma rede social. A expressão que gerou a polêmica — posteriormente convertida em uma infração criminal —, foi “Olá, cara”. Um jornalista da Jovem Pan sugeriu que ela, muito provavelmente, estava sendo cordial, chamando-a pelo feminino de “caro”, que significa prezado.

Para “combater” a discriminação e o racismo na literatura, vários clássicos da literatura ocidental serão publicados em uma linguagem politicamente correta. Nos Estados Unidos, a editora Penguin Books decidiu expurgar de seu catálogo vários livros do autor britânico Roald Dahl (1916-1990), por serem incompatíveis com a ditadura politicamente correta. A editora Puffin Books, por sua vez, contratou em fevereiro deste ano diversos “leitores sensíveis” para fazer o que chamam de “avaliação crítica” da obra do autor, com o objetivo de publicar vários de seus livros em versões inclusivas politicamente corretas.

Isso gerou uma controvérsia nos meios acadêmicos sem precedentes na história recente da literatura ocidental. Principalmente pelo fato de Roald Dahl ter adquirido a fama de se opor com veemência a qualquer alteração editorial em seus textos. Excepcionalmente meticuloso e perfeccionista, ele não permitia que alterassem nada, nem mesmo uma única vírgula.

Aqui no Brasil, não escapamos da famigerada controvérsia literária. Obras infantis do famoso escritor Monteiro Lobato (1882-1948) — ícone da literatura brasileira, cujo nome completo é José Bento Renato Monteiro Lobato — ganharão versões politicamente corretas. O que lamentavelmente foi chancelado até mesmo por membros de sua família, como a sua bisneta, que abraçou a causa politicamente correta e afirmou ser necessário “rever o racismo” presente em suas obras.

O que a ditadura do consenso progressista pretende, de fato, é adaptar diversas obras literárias de vários autores para versões politicamente corretas. O seu lobby político-ideológico está engajado em conquistar a total hegemonia da ideologia progressista em praticamente todos os ambientes: acadêmicos, universitários, políticos, corporativos e esportivos.

Há muito tempo existe também um movimento que reivindica a “necessidade” de se reescrever a Bíblia, para “adaptá-la” aos tempos atuais. É de conhecimento geral que os fundamentalistas progressistas politicamente corretos sempre implicaram com as Sagradas Escrituras Judaico-Cristãs, por elas não serem inclusivas, sendo patriarcais e moralmente rígidas demais para o gosto da militância. Há algumas semanas, Xuxa propôs em uma rede social “reescrever a Bíblia”. Há muitos anos atrás, Jean Wyllys — deputado federal de 2011 a 2019 —, afirmou que era necessário expurgar da Bíblia as “passagens homofóbicas”.

Há também um movimento para proibir o uso de palavras como “gordo” e “obeso” para se referir a pessoas que estão acima do peso, porque essas palavras são supostamente ofensivas. Palavras como “índio” e “homossexualismo” também devem ser sumariamente erradicadas do vocabulário. Os termos “corretos” são “indígena” e “homossexualidade”. Militantes progressistas politicamente corretos também afirmam que é necessário normalizar a linguagem neutra, pois ela é mais inclusiva. Se você usar a linguagem neutra, estará sendo socialmente inclusivo e ajudará a combater a transfobia.

Humoristas que contam piadas sobre negros, homossexuais, índios e outras minorias estão sendo processados. O caso do comediante Léo Lins é muito emblemático na questão da total ausência de liberdade na prática do humor. O humorista está sendo processado pelo Ministério Público Federal por contar piadas supostamente machistas e racistas. Foi inclusive obrigado a retirar do seu canal do Youtube sua performance de comédia stand-up intitulada “Perturbador”. O que não adiantou absolutamente nada, visto que outros canais do Youtube disponibilizaram o vídeo, muitos deles usando uma hashtag que dizia “censura não”.

(mais…)

ARTIGO

Controle de preços: o verme que não morre

19/06/2023 - Paulo Kogos*
controle de precos
Os preços numa economia não refletem o valor subjetivo atribuído ao bem ofertado em si, mas à unidade marginal ofertada, que é aquela adicional após toda a oferta pregressa ser considerada.

O economista Ludwig von Mises constata que a história econômica é um longo registro de políticas governamentais que fracassaram por ignorar as leis econômicas. Se pelo menos isso servisse para não repeti-las…. mas não parece ser o caso, especialmente quando se trata de controle de preços. São 4 mil anos de exemplos de escassez, desarranjos produtivos e caos social desde os tabelamentos impostos por Hamurabi, na Babilônia. A funesta lista apresenta-se diante da humanidade como a pintura aterrorizante de Goya que retrata Saturno devorando um de seus filhos: não poderia ser ignorada. A divindade romana do tempo devora insaciavelmente tudo o que é vindouro, saturando-se perpetuamente de anos passados. Analogamente, o controle de preços acumula uma história cada vez mais extensa de selvageria e penúria sem nunca cessar. Seus proponentes contam com o apoio das massas condicionadas ao mea culpa coletivo, cuja conduta imediatista as faz compensar a falta de iniciativa individual com apoio sumário a políticas demagógicas. O discurso de luta de classes, por sua vez, torna impossível eliminar o verme anticapitalista que atormenta suas consciências sociais, dentre cujas crias encontra-se o controle de preços.

Tal como os vermes literais pululam num corpo biológico corrompido, os vermes das políticas públicas infestam o corpo social em decadência. A tragédia que se abateu sobre o Litoral Norte de São Paulo não foi somente natural, mas resultante também de uma forma de controle estatal: a regulação das construções. Soa contra-intuitivo, mas é a carestia regulatória que força os pobres a viver clandestinamente nas encostas dos morros. Além disso, se não houvesse clandestinidade, um mercado de empreendimentos imobiliários especializados surgiria para atender à demanda por casas seguras e baratas nestes locais. Para tanto, valer-se-iam de chumbamentos, grampeamento do solo e outras técnicas que protegeriam também os arredores dos morros. Mas como, infelizmente, a corrosão institucional do país resultou na corrosão do solo, deixando milhares de pessoas desabrigadas e desabastecidas, não tardou para que o verme do controle de preços ressurgisse em meio à putrefação civilizacional.

O deputado federal Nikolas Ferreira propôs a criminalização da elevação de preços durante emergências e calamidades sem justa causa (como se fosse injusto um comerciante tentar reduzir os próprios riscos concatenando oferta e demanda daquilo que já é sua propriedade). O resultado deste despautério seria desastroso para a população atingida, já que preços artificialmente baixos resultam invariavelmente no esgotamento da oferta do produto.

Os preços numa economia não refletem o valor subjetivo atribuído ao bem ofertado em si, mas à unidade marginal ofertada, que é aquela adicional após toda a oferta pregressa ser considerada. É por isso que a raridade afeta o valor e, consequentemente, o preço. Um litro de água é mais útil que um litro de whisky, mas é vendido a um preço bem menor devido à abundância. Quando um choque externo de oferta, como um desastre natural, reduz a disponibilidade de um bem na economia, seu preço sobe de forma a refletir a escassez. O sistema de preços tem a função de transmitir informações econômicas que racionalizam a tomada de decisão dos agentes, de forma tal que a carestia da água durante uma calamidade adverte os consumidores para que economizem ao mesmo tempo em que atrai e viabiliza aumento de oferta.

Impedir a subida de preços não vai mudar o fato de que há água de menos. Ao contrário, piorará a escassez incentivando o desperdício do recurso e inviabilizando oportunidades de lucro àqueles que quisessem suprir a região afetada. Logicamente, o valor atribuído à água aumentará, incentivando assim o surgimento de um bem-vindo mercado negro, instituição que evitou que os romanos morressem de fome quando Diocleciano impôs congelamento de preços no Século III d. C. É inútil acreditar que a água chegará barata à população necessitada, pois ela será rapidamente varrida do mercado por especuladores que atuam no mercado negro. Sem eles, porém, a situação seria ainda pior já que a demanda artificialmente alta resultaria no consumo imediato por parte dos compradores mais rápidos sem incentivo à reposição do item. Quando os preços flutuam livremente, é natural que a carestia da água também atraia ações caritativas para abastecer os mais pobres. Estas, contudo, são dificultadas quando o controle de preços afugenta a oferta local e mercadores são substituídos por fiscais estatais pagos com o dinheiro arrancado da mesma população que sofre os efeitos da calamidade.

O monge dominicano do século XVI Martin de Azpilicueta, grande expoente da economia escolástica, argumenta que se controlar os preços é péssimo em condições normais, é ainda pior durante emergências. Foi o que aconteceu na Pensilvânia durante a Guerra Revolucionária Americana (1775-1783), quando artigos imprescindíveis ao Exército foram tabelados acarretando o desabastecimento das forças de George Washington. Na ocasião, o Congresso Continental reconheceu o erro pronunciando que “já foi descoberto pela experiência que limitações impostas aos preços das mercadorias não apenas são ineficazes para o objetivo proposto, como também são igualmente geradoras de consequências extremamente maléficas.” Algumas vezes, o efeito da interferência estatal é ainda mais duradouro. O congelamento de preços no Egito Ptolomaico, adotado para minimizar flutuações na oferta, resultou no colapso agrícola da sociedade. O romance “Os Noivos”, de Alessandro Manzoni, excelente recomendação do meu amigo Paulo Briguet, relata os efeitos da Guerra dos Trinta Anos e de outras duas grandes pragas que se abateram sobre a Lombardia no século XVII: a peste bubônica e o controle de preços. Este foi pior. Atraiu mendigos que se concentraram em Milão atrás de pão barato, mas nada obtiveram. Mercadores de regiões com superávit não vieram. A desnutrição reduziu a imunidade dos indigentes e os lazaretos (hospitais onde os doentes eram quarentenados) ficaram superlotados. O autor escreve que para prever as consequências das políticas populistas, basta inverter o efeito que seus proponentes propagandeiam.

Lamentavelmente, defensores do controle de preços são aqueles que parecem preocupados com os desvalidos enquanto seus oponentes soam mais como mercenários contratados por comerciantes inescrupulosos. Apenas recordem que toda a estrutura industrial e comercial que nos separa da barbárie e da subsistência foi construída por empresários e comerciantes guiados por preços de mercado. Já as piores atrocidades da História são resultantes de soluções mágicas alardeadas por publícolas de excelente retórica. É por isso que o verme do controle de preços não morre. Como todo pecado, ele durará enquanto durar o pior deles: a vaidade.

*Paulo Kogos é praxeologista anarcocapitalista conservador de extrema-direita e católico romano.

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