
BRASÍLIA, 21 de julho de 2025 – A Câmara dos Deputados gasta mais de R$ 1 bilhão por ano em salários, gratificações e auxílios pagos a funcionários cuja jornada de trabalho não é controlada nem fiscalizada —e que, muitas vezes, podem não estar exercendo funções ligadas ao Legislativo. O valor bateu recorde na gestão do presidente Hugo Motta
Atualmente, há cerca de 10 mil secretários parlamentares contratados pelos 513 deputados para atuar em Brasília ou no estado pelo qual foram eleitos — nesta segunda (21), eram 9.972, número que varia diariamente e que representa em torno de 69% do total de servidores da Casa.
A única validação sobre o trabalho ou o cumprimento da jornada de 40 horas semanais deles é um atestado do próprio gabinete.
Este tipo de brecha possibilitou, por exemplo, a existência de três funcionárias fantasmas no gabinete de Motta, como a Folha revelou.
Há dois tipos de cargos de livre nomeação na Câmara: os secretários parlamentares, contratados pelos gabinetes, e o cargo de natureza especial (CNE), destinado à Mesa Diretora, às comissões e às lideranças de partidos.
Desde 2015, há totens espalhados pela Câmara para registro de presença com biometria, mas só os ocupantes de CNE são obrigados a marcar o ponto (ao chegar, ao sair e voltar do almoço, e na hora de ir embora).
Os secretários parlamentares em Brasília só registram seu horário com biometria para receber hora extra durante as sessões noturnas, às terças e às quartas. Nos demais períodos, não há qualquer fiscalização ou registro de presença.
Cada deputado tem direito mensalmente a uma verba de gabinete de R$ 133 mil para contratar de 5 a 25 secretários parlamentares. Eles ganham entre R$ 1.584,10 e R$ 18.719,88, além de auxílio-alimentação de R$ 1.393,11 e outras gratificações.
O controle de presença desses funcionários é feito pelos próprios gabinetes, que mensalmente informam ao departamento de recursos humanos sobre o cumprimento da jornada.
Esse documento tem um controle frágil. O sistema só é preenchido para registrar atestados médicos ou indicar se houve alguma falta. Se nada é informado nesse sentido, ele automaticamente indica que a pessoa cumpriu as 40 horas semanais, sem qualquer tipo de detalhamento sobre quais foram os horários.
Nos estados, o controle é inexistente. Nem todos os deputados possuem escritórios em suas bases eleitorais e não há monitoramento, pela Câmara, sobre o trabalho ou o cumprimento das 40 horas semanais estabelecidas no contrato.
Essa falta de controle ocorre mesmo após denúncias, ao longo dos anos, de funcionários fantasmas (que não aparecem para trabalhar), de “rachadinhas” (quando o congressista fica com parte do salário) e de servidores pagos pelo Legislativo que, na verdade, atuavam como faxineiras, babás ou outras funções de cunho pessoal para o parlamentar, sem vínculo com o Congresso.
Outra situação comum é quando os deputados e senadores contratam parentes de aliados políticos, como prefeitos e vereadores, em troca de apoio para as eleições. Como a Folha revelou, o próprio Motta empregou filhos, mãe e ex-sogra de políticos de seu partido.
O gasto da Câmara apenas com os secretários parlamentares bateu R$ 1 bilhão no ano passado, mas subiu ainda mais na gestão de Motta. No primeiro semestre de 2024, a despesa somou R$ 486,4 milhões. No mesmo período de 2025, chegou a R$ 539,2 milhões —aumento de quase 11%.
A reportagem procurou a assessoria institucional da Câmara desde quarta (16) para que explicasse a falta de controle da jornada dos funcionários, mas não teve retorno. O presidente da Câmara também não quis comentar a falta de fiscalização.
Sobre o trio de funcionários fantasmas em seu gabinete, Motta disse que “preza pelo cumprimento rigoroso das obrigações dos funcionários de seu gabinete, incluindo os que atuam de forma remota e são dispensados do ponto dentro das regras estabelecidas pela Câmara”.
Mais informações em Folha de S. Paulo.