Dois anos após o início da Covid-19 e três meses após a invasão da Rússia à Ucrânia, já é possível ter um panorama do quão devastada ficou a economia mundial.
A Covid-19, como repetidas e insistentes vezes mencionadas aqui neste Instituto, gerou uma expansão monetária inaudita. Ao mesmo tempo em que proibiam o povo de trabalhar e produzir, governos do mundo inteiro, capitaneados pelos EUA, imprimiram e injetaram em suas respectivas economias um volume sem precedentes de dinheiro.
Nos EUA, a oferta monetária mensurada pelo M2 — basicamente, todo o papel-moeda em poder de pessoas e empresas, mais todos os depósitos em conta-corrente, mais caderneta de poupança, mais depósitos a prazo com liquidez — disparou.
De janeiro de 2020 até hoje, a quantidade de dólares no mundo aumentou em quase 7 trilhões.
Sim, há 7 trilhões de dólares a mais hoje no mundo do havia em janeiro de 2020.
Gráfico 1: evolução do M2 nos EUA
Observe que, no biênio 2020-21, a oferta monetária aumentou a mesma quantidade que havia aumentado no período entre janeiro de 2011 a dezembro de 2019. Ou seja, levou apenas dois anos para aumentar o mesmo volume que antes levava nove anos.
(A título de curiosidade, observe que, na crise financeira de 2008, ao contrário do senso comum, não houve nenhuma inflação monetária atípica).
Em termos percentuais, o aumento na quantidade de dólares de janeiro de 2020 até hoje foi de 42%. Em apenas dois anos. Em termos práticos, isso significa que praticamente a metade de toda a quantidade dólares existentes no mundo foi criada nos últimos dois anos.
Mas piora.
Além desta inaudita impressão monetária, o governo Biden aprovou um novo auxílio emergencial que, para se colocar em perspectiva, foi maior que o PIB brasileiro: equivalente a R$ 10 trilhões, ante R$ 8 trilhões de toda a produção de bens e serviços brasileira em um ano.
Mas não parou por aí. Também, em 2021, anunciou um plano de gastos para “gerar empregos, melhorar a infraestrutura pública e combater o aquecimento global”. Custo total: US$ 2,3 trilhões. Na própria imprensa já estão dizendo que todo o pacote de estímulos custará, na verdade, US$ 4 trilhões.
E daí?
E daí que isto impactou diretamente nos preços dos alimentos e da energia.
Todo o mundo hoje está pagando mais caro na comida e nos derivados de petróleo por causa do governo americano. E do governo russo.
A relação entre commodities e dólares
Todas as commodities (de minério de ferro a petróleo, passando por aço, cobre, soja, trigo, milho, café, carne de boi, suco de laranja, açúcar) são precificadas em dólar no mercado internacional de commodities.
O valor de cada commodity, em dólares, é o mesmo para todos os países do mundo. O valor do barril de petróleo, do litro de gasolina e diesel, do quilo de soja, milho, trigo, arroz, leite, cacau, queijo etc. é o mesmo, em dólares, para EUA, Brasil, Alemanha, Japão e Sudão.
O país que exporta commodities irá exportá-las cobrando, em dólares, o valor vigente no mercado internacional. E o país que importa commodities irá importar pagando, em dólares, o valor vigente no mercado internacional.
Não há como escapar disso.
Consequentemente, se as commodities encarecem em dólares, não há mágica: todos os países serão afetados.
A população do país que importa commodities irá sofrer por ter de pagar mais caro em dólares. E a população do país exportador, por sua vez, também não será beneficiada, pois pagará o mesmo preço do resto do mundo — pelo óbvio motivo de que, se é possível vender para fora mais caro e vender para dentro mais barato, os produtores preferirão a primeira opção (você também faria isso, por mais que queira “sinalizar virtude”).
Logo, quanto mais caras estiverem estas commodities em dólares, mais caras estarão estas commodities para todas as populações do mundo.
Sem escapatória.
Um giro pela encrenca
Os gráficos a seguir mostram a evolução dos preços, em dólares, das principais commodities alimentícias e energéticas do mundo.
As causas do atual encarecimento se devem tanto à expansão monetária ocorrida entre 2020 e 2021 quanto à guerra da Rússia na Ucrânia.
Gráfico 2: preços dos alimentos ao redor do mundo compilados pela FAO desde a década de 1960 (linha laranja: preços nominais; linha amarela: preços corrigidos pela inflação)
Gráfico 3: preço do litro do óleo diesel, em dólar
Gráfico 4: preço do litro da gasolina, em dólar
Gráfico 5: preço do gás natural, em dólar
Gráfico 6: preço do trigo, em dólar
Gráfico 7: preço do milho, em dólar
Gráfico 8: preço da soja, em dólar
Gráfico 9: índice de commodities em grãos da Dow Jones
O que já estava sendo pressionado pela expansão monetária tornou-se ainda pior com o cenário de guerra. A Rússia, como se sabe, suspendeu a venda da fertilizantes para o mundo. Rússia, Ucrânia e Bielorrússia são os maiores fornecedores.
Igualmente, a Rússia é o quarto maior produtor de trigo do mundo e o maior exportador. A Ucrânia é o sétimo maior produtor e está entre os quatro maiores em embarques. Juntos, os dois países respondem por cerca de 30% das exportações mundiais de trigo. E ambos os países são grandes exportadores de milho para a China. E tornaram-se também grandes exportadores de óleo de soja.
O conflito afetou sobremaneira a exportação de commodities, fartas naquela região.
Para piorar, a Índia proibiu a exportação de trigo.
Algo entre 50 e 60 milhões de toneladas de fertilizantes e cereais estão paradas nos portos russos e ucranianos, sem poderem ser exportados.
Como era de se esperar, os preços dos alimentos batem recorde histórico absoluto nos EUA, na Europa e no mundo. Na Argentina, metade da população já passa fome.
Nos EUA, o governo aparentemente passou a ignorar a agenda ESG e liberou o cultivo em áreas de preservação.
No front energético, a invasão da Rússia à Ucrânia apenas intensificou uma tendência que já vinha ocorrendo há anos: a oferta mundial de petróleo, que já vinha sendo artificialmente restringida pela radical agenda ambientalista ESG, ficou ainda mais restrita.
Muito antes de qualquer ameaça da Rússia à Ucrânia, este Instituto já vinha alertando como a agenda ESG estava afetando negativamente a oferta mundial de petróleo. O preço do petróleo já vinha escalando há anos, tendo sido apenas temporariamente interrompido pelos lockdowns mundiais adotados em 2020.
A invasão da Ucrânia apenas intensificou a tendência.
Atualmente, o que se sabe é que a Alemanha terá de racionar gás e combustíveis nos próximos meses. A Europa vai junto.
Também em abandono à agenda ESG, os alemães recentemente começaram a destruir uma floresta de 12 mil anos para extrair carvão.
Mais: Alemanha e Holanda irão explorar gás no Mar do Norte.
Como era de se esperar, os preços do diesel e da gasolina recentemente bateram recorde histórico absoluto nos EUA e na Europa.
Para concluir
Recentemente, Vladimir Putin disse que o grande culpado da alta inflação de preços no Ocidente é o governo americano, que imprimiu muitos dólares.
Errado ele não está — muito embora ele próprio também seja culpado, em decorrência de sua invasão da Ucrânia.
Deixando as ideologias e as paixões políticas de lado, um indivíduo minimamente sensato consegue entender que a carestia atual tem o seguinte roteiro:
1) Os lockdowns impostos pelos governos em resposta à Covid-19 levaram a um programa inaudito de expansão monetária. Os EUA lideraram o movimento. Todos os demais países do mundo tolamente copiaram (confira todos os detalhes aqui, aqui e aqui).
2) A impressão de 7 trilhões de dólares pressionou os preços das commodities, que começaram a encarecer em dólares.
3) A oferta de commodities energéticas, que já vinha sendo restringida pela agenda ESG, foi asfixiada pela guerra na Ucrânia, a qual também pressionou ainda mais as commodities alimentícias.
4) Em decorrência desta carestia, vários países passaram a banir a exportação de commodities, pressionando ainda mais os preços.
Estamos vivenciando uma aula, ao vivo e em tempo real, de como intervenções na economia — as quais começaram com “aquecimento global” e “fique em casa pela saúde” — geram consequências não-premeditadas e desastrosas.
A catástrofe é mundial. Nenhum país está blindado, e nenhum país tem como se proteger isoladamente.
Os indivíduos de baixa renda serão, é claro, os mais afetados pelas “elites bem-pensantes” que implantaram isso tudo.