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A série Adolescência, o culto à juventude e seus bodes expiatórios

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Debate em torno da série Adolescência, da Netflix, expõe os culpados falsos e bodes expiatórios do culto cego à juventude

SÃO LUÍS, 11 de abril de 2025 – Caro leitor, você está sendo enganado. Enredado numa polêmica fajuta, você corre atrás de bodes expiatórios – redes sociais, incels, pílulas vermelhas – enquanto a verdade sobre a adolescência escapa como areia entre os dedos. O culto cego à juventude nos idiotizou, nos fez confundir rebeldia com profecia, inconsequência com destino. A série Adolescência pode contar histórias de jovens interessante em um primor de tecnicidade e atuações, mas o debate em torno dela é uma farsa, uma cortina de fumaça para esconder o óbvio: a juventude não é uma utopia, é uma granada sem pino. Neste artigo, essa ilusão será desmascarada e as vendas que nos cegam arrancadas! Você irá perceber como jogamos a culpa em fantasmas enquanto o fogo já lambe nossos pés. Venha comigo, liberte-se do engano – está na hora de enxergar a confusão pelo que ela é.

O CULTO

Para entender o falso debate posterior à série, é preciso entender as bases de quem falsifica o debate. E tudo tem sua origem la atrás, na ascensão da modernidade, que chegou como um vendaval, varrendo a autoridade e a experiência dos adultos — outrora o porto seguro da sociedade — para erguer em seu lugar o altar do culto à juventude. Não há mais reverência ao pai que ensina, à mãe que acalenta, ao avô que conta as histórias de um tempo que valia a pena lembrar; tudo isso foi trocado pelo frenesi dos músculos jovens, pela arrogância da pele lisa, pelo devaneio de quem acha que pode mudar o mundo.

Para destruir a tradição e seus alicerces, como família e religião, era preciso colocar no lugar valores novos e mais sedutores: a rebeldia sem causa, a liberdade sem responsabilidade, o hedonismo que se masturba em espelhos de selfies.

Então, os jovens passaram a ser os guardiões das chaves da utopia que nos aguarda no futuro. E, desde então, nenhuma análise ou estudo assume a realidade do que é a juventude de fato. O cérebro é estimulado, assim como órgãos genitais, para obter um resultado fantasioso.

Brenda Ann Spencer tinha 16 anos quando atirou contra crianças em uma escola primária em 1979. Ela não tinha redes sociais, não era incel, redpill e é impossível que fosse misógina.

ADOLESCÊNCIA, ILUSÃO E REALIDADE

A série da Netflix é inspirada em episódios de violência entre jovens, recentemente, na Inglaterra. Tecnicamente, é muito acima da média. Belas atuações e um plano-sequência primoroso em cada um dos episódios. Todo o debate posterior é inútil e fantasioso. Vamos a eles, depois à realidade.

Segundo as interpretações da série, a violência entre jovens deriva do uso de redes sociais, cultura redpill, incels e misoginia. Termos estranhos? Eu explico.

A cultura redpill, inspirada no filme Matrix, é uma visão de mundo que prega que o feminismo deu poder demais às mulheres, colocando os homens como vítimas de uma sociedade injusta. Quem “toma a redpill” acredita que abriu os olhos para essa “verdade”.

Incel — abreviação de “involuntariamente celibatários” — nasceu como um xingamento. São jovens rejeitados por mulheres, vivem vidas com a ausência de vida sexual. Entenda! Ser chamado de incel é ser xingado! Tempos atrás, eram o “não fode”, o “virjão”, “molenga”. Nada de novo no front, percebeu? Adolescentes que não transam e pegam todas as menininhas existem em maioria, existiram e sempre vão existir. Quase todo homem foi incel durante a passagem da infância para a adolescência. Alguns por umas dezenas de meses, outros por alguns anos e tantos por muitos anos. NORMAL!

Misoginia é simplesmente o desprezo ou aversão às mulheres, uma atitude fundamental na cultura redpill e entre incels. Excetuando-se a misoginia, preceitos redpill, redes sociais e cultura incel são fenômenos recentes.

DEBATE FRACO

A interpretação de Adolescência faz acreditar que a causa da violência entre jovens é motivada por estes fatores. Jovens matam jovens, garotas, especificamente, por conta das redes sociais, cultura incel e blá-blá-blá.

Uma pergunta simples implode esse debate inútil. Quem veio primeiro? A violência entre jovens ou esse sistema que coloca incels e movimento redpill dentro do caldeirão das redes sociais e o aquece com misoginia? Pois é…

Antes das redes sociais, jovens matavam jovens. Antes dos incels e do movimento redpill, também! A relação de causa e efeito entre a violência e estes fenômenos é uma farsa, porque o efeito antecede a causa!

O mais impressionante é que esse medo de analisar jovens como responsáveis pelos seus atos já produziu outros debates inúteis.

Em 1999, Eric Harris e Dylan Klebold invadiram Columbine com armas na mão e um vazio no peito, pintando os corredores com o sangue de quem cruzasse seu caminho. E o que fizemos? Apontamos para os disquetes, para o Doom, músicas de Marilyn Manson. Como se músicas ou jogos pudessem carregar fuzis. Nada de redes sociais para ecoar seus gritos, nada de Andrew Tate vendendo bravatas de “macho alfa”, nenhum fórum redpill sussurrando vinganças, nem sombra de incels choramingando rejeição. Ainda assim, o inferno desabou, porque a juventude não precisa de um algoritmo para explodir — ela é a própria pólvora, acesa pela inconsequência de quem acha que o mundo deve se curvar.

Vinte anos antes, Brenda Spencer com seu rifle apontado para uma escola primária, atirou porque, pasmem, “não gostava de segundas-feiras”. Onde estava o TikTok para inflar seu ódio? Cadê os redpills com suas verdades tortas, ou Marilyn Manson para pregar revoltas? Nenhum incel postava lamúrias, nenhuma tela brilhante guiava seus passos, também não havia redes sociais para ocupar o lugar de bode expiatório — só uma menina, um pai que não estava lá, e um mundo que já rangia. Na época, culparam o punk, os filmes de bangue-bangue, a família em pedaços. A mesma paspalhonice de sempre para não dizer o óbvio: Brenda era uma granada, e o pino era só o tédio de uma vida sem freios.

Perceberam como o debate sobre a influência dos incels, movimento redpill, redes sociais, Matrix, Marilyn Manson, armas, jogos de computador e misoginia (Brenda Ann Spencer é mulher) é inútil?

Jovens sempre foram assim: um caldeirão de fúria e sonhos, prontos a explodir com a menor faísca. Não é a rede social e nem o bode expiatório da vez — é a própria condição da juventude, essa fase de vida onde a experiência é um vazio e a inconsequência reina.

Sem o peso de cicatrizes, sem o freio de quem já caiu e levantou, o jovem é uma granada com o pino frouxo. Culpar o pino — seja um fórum online, um filme violento ou uma guitarra estridente — é tapar o sol com a peneira, é fingir que a explosão não vem de dentro. Brenda Spencer atirou porque “não gostava de segundas-feiras”; Harris e Klebold pintaram Columbine de sangue por um rancor que não explicava nada. Nós, os modernos, continuamos dançando em cima da pólvora, aplaudindo a juventude como se ela fosse a profecia, quando, na verdade, é só um espelho de nossa cegueira e descuido.

Chega de autoilusão, chega de endeusar quem mal começou a viver. O mundo não pertence aos jovens — essa mentira os infla como balões, prontos a estourar em violência ou desespero. É hora de puxar o freio, de ser mais duro, mais atento, de cobrar o que nunca cobramos: responsabilidade. De mostrar aos jovens que seus impulsos são perigosos. Tanto faz se causados por Matrix ou Andrew Tate!

Os mais velhos precisam voltar a ser o farol, que cada escola pare de mimar e comece a forjar, que cada espelho de selfie se quebre diante da verdade nua: a juventude não é dona de nada, ela é matéria bruta, que explode se não for moldada. Redobremos o cuidado, sim, mas com mãos firmes, não com luvas de seda. Implodamos essa fantasia de que o futuro é deles por direito, porque, se continuarmos assim, o futuro não será de ninguém — só cinzas de granadas que nunca soubemos desarmar.

A adolescência não é vítima de circunstâncias ruins. Ela é a circunstância que precisa ser controlada para não se tornar uma tragédia.

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Respostas de 3

  1. É muito importante para mim como mãe de jovens lê um texto tão objetivo e esclarecedor em relação a adolescência , pois é a mais pura verdade e os apontamentos são muito verdadeiros .

  2. ÓTIMO artigo!! 👏🏽👏🏽

    Vale ressaltar o ponto, além de filmes de bangue bangue, outro estilo de filme foi considerado violento (até é mas tem seu contexto), influenciável para a época e barrado em alguns cinemas, foi o Laranja Mecânica, poderia ser um estopim para crianças e adolescentes fazerem arruaças MAS sabemos que quando o adolescente ou aborrecente quer fazer o mal, faz!

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