A Independência em outras margens

Profa. Dra. Elizabeth Sousa Abrantes[1] Prof. Dr. Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus[2] No imaginário social brasileiro, a Independência política simbolizada no 7 de setembro de 1822 é vista como pacífica e amistosa, sem lutas e derramamento de sangue, obtida no grito, às “margens plácidas” do riacho Ipiranga por um Príncipe Regente que se tornaria, em seguida, o Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil, D. Pedro I. Essa interpretação clássica, que se encontra nas primeiras obras que historiaram o tema da Independência, e influenciaram o ensino de história nos compêndios escolares, deu pouca atenção às lutas que ocorreram em algumas províncias, como se todas as regiões que então compunham o território da América Portuguesa tivessem prontamente aderido ao famoso “Grito do Ipiranga”. Este episódio está cristalizado em vários signos, como o quadro Independência ou Morte, do pintor Pedro Américo, de 1888; a letra do hino nacional brasileiro, de autoria de Joaquim Osório Duque-Estrada, escrito no início do século XX, e oficializado no contexto do centenário da Independência; além da representação cinematográfica expressa em Independência ou Morte, filme de 1972, dirigido por Carlos Coimbra, que marcou a comemoração do Sesquicentenário da Independência, no contexto autoritário do regime militar brasileiro, que preconizava  a exaltação de heróis nacionais como “salvadores da pátria”. Nessa história escrita para exaltar os feitos dos chamados “grandes homens”, as camadas populares foram relegadas ao esquecimento. Mas, as guerras de Independência mostram que esse foi um processo difícil que contou com a participação de diferentes segmentos sociais, com destaque para as camadas populares, que, mesmo engrossando as fileiras das forças expedicionárias que lutaram contra os portugueses, foram invisibilizadas e tratadas como massa de manobra, sem que seus anseios, projetos e utopias fossem considerados relevantes. As atuais pesquisas históricas vêm questionando essas interpretações cristalizadas que apresentam a região centro-sul do país como protagonista da Independência, como representante de uma interpretação de caráter nacional, em detrimento das demais províncias, como as do Norte, silenciando outros “gritos” e outras margens, nem sempre tão “plácidas”. É importante considerar que cada província teve a sua particularidade no processo que levou à emancipação política do Brasil, como é o caso da província do Maranhão, que teve uma série de conflitos entre os setores da elite, e onde houve guerra para que os laços com Portugal fossem rompidos. As lutas ocorridas no território maranhense iniciaram na região sertaneja, no centro-sul da província, fronteira com o Piauí, portanto, nas margens do rio Parnaíba, essa grande fronteira fluvial que separa essas províncias-irmãs. As tropas vindas do Ceará e do Piauí desbravaram o interior maranhense angariando mais adeptos que simpatizavam com a causa da Independência, formando o chamado “Exército Auxiliador”, e que a historiografia a algum tempo vem chamando de “Exército Libertador”. Essas tropas eram chamadas de independentistas, e se destacaram com seu avanço, obtendo conquistas nas batalhas travadas com as forças legalistas que ainda se devotavam à Coroa Portuguesa, gerando um grande temor na capital São Luís onde se encontrava a Junta Governativa, comandada pelo Bispo Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, um português que representava bem esse grupo que resistia à incorporação do Maranhão ao novo Império. Esse “Exército Libertador” era muito heterogêneo, já que em sua composição contava com livres e escravizados, brancos, negros, mestiços, fazendeiros, caboclos, vaqueiros, pequenos lavradores, por fim, diferentes grupos sociais e étnicos. O palco da guerra foi a banda oriental (leste) do Maranhão, com destaque para as regiões de Itapecuru-Mirim, Brejo, Caxias e Pastos Bons. Esse grande contingente, com cerca de 6 mil homens, foi o grande responsável pela pressão militar que levou à rendição da Junta de Governo, embora os louros da vitória tenham ficado com o Almirante escocês Lorde Cochrane, enviado pelo Príncipe Regente para obter a capitulação da província do Maranhão, o que ocorreu com a sua chegada em 26 de julho de 1823, e a oficialização em 28 de julho por meio de uma cerimônia no Palácio do Governo, o atual Palácio dos Leões, com início às 11h, sem contar com a presença do almirante inglês, não havendo grandes cerimônias ou quaisquer comoções populares. Fizeram-se presente seis tripulantes do navio que se juntaram a 91 cidadãos, dentre os quais os membros da Junta de Governo e da Câmara e outros membros da elite, que, sob discrição, saudaram a integração do Maranhão ao Império do Brasil. Segundo os cronistas da época, ao redor do palácio havia poucas pessoas. Dessa forma, a saudação à Independência se deu com um simples tocar dos sinos, uma salva de tiros e o reconhecimento da Bandeira do Império do Brasil. Em 28 de julho de 2023, ao comemorarmos o Bicentenário da Independência do Brasil no Maranhão, devemos lembrar das lutas populares nesse processo, para rompermos com esses silêncios que foram construídos historicamente, e que explicam, em parte, o pouco interesse das autoridades e a falta de conhecimento da população com essa que é a data magna do Estado. Então, nessa data festiva damos vivas ao povo maranhense pelas lutas travadas para a conquista da emancipação política e pela batalha diária em prol de sua cidadania.   [1] Professora Associada do Departamento de História da UEMA; Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, Cadeira nº 24. [2] Professor de instituições privadas de ensino superior; Membro do Núcleo de Estudos do Maranhão Oitocentista (NEMO).

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